quarta-feira, 13 de junho de 2012


Nosso mundo de tragédias

José Fernandes Costa

Em texto recentemente publicado na Gazeta Digital de Bom Conselho, a amiga Maria Caliel de Siqueira fala a respeito de tragédias.  Aquilo me pareceu tema para reflexão, ao tempo em que pode revelar algumas dificuldades no dia a dia da autora. – Coisas que todos têm.

Mas o que seriam tragédias? – As guerras, os terremotos, maremotos, enfim, esses tormentos coletivos? Cremos que estes estão mais para catástrofes, calamidades etc. – Porém, afora os desastres coletivos, existem muitas tragédias particulares, isto é, no seio das famílias.

No início do ano de 2010, um jovem de 22 anos, Alcides Nascimento Lins, estudante de biomedicina, foi executado, fria e covardemente, por dois marginais que procuravam um sujeito pra matar. – E abordaram Alcides, vizinho do indivíduo procurado pelos ditos bandidos. Queriam pistas para localizar a sua caça. Como Alcides não sabia informar, foi abatido com dois tiros na testa. – Possivelmente, a motivação da procura ao vizinho de Alcides foi drogas.

Aquilo foi uma tragédia para Dª Maria Luiza e suas filhas. – Maria Luiza ex-catadora de lixo, mãe de Alcides, havia botado o filho e as filhas pra estudar em escolas públicas. Alcides fora classificado em 1º lugar, entre seus pares, no vestibular da UFPE, para ingressar em biomédicas. E estava sendo exemplo para os moradores da Vila Santa Luzia, na Torre – Recife, onde moravam. – Extinguiu-se uma vida; acabou-se um sonho.

Na sexta-feira, 1º de junho em curso, um adolescente de 17 anos, estudante aplicado, do ensino médio, foi igualmente executado impiedosamente por dois marginais que procuravam, para matar, o irmão daquele adolescente morto.  Conforme notícias da imprensa, o rapaz procurado fugiu ao ver seus possíveis algozes. Ele tem 16 anos e dizem que é envolvido com drogas ilícitas. – Assim, morreu seu irmão, inocentemente. – Isso caracteriza mais uma desgraça no âmbito de uma família e da comunidade.

Por força de circunstâncias, há alguns meses, eu venho participando de debates, que me fazem enxergar determinados problemas que recaem sobre diversas famílias. Com isso, pude notar, em pouco tempo, que tais desgraças são verdadeiras tragédias vividas por inúmeras famílias.
Refiro-me aos conflitos vividos por dependentes químicos, os quais atingem em cheio seus familiares e demais pessoas ao seu redor. – Longe de pensarmos que essa degradação só acontece nas periferias, onde a pobreza campeia.

Esses indivíduos, por razões as mais diversas, ingressam no consumo das drogas. – Sejam estas o álcool, a cocaína, o crack, a maconha etc. Como
agravante, ainda, há a associação de alguns desses entorpecentes pela mesma pessoa. –Todo esse processo tem causas atinentes à personalidade de cada um.

De outro modo, é voz corrente, na psicoterapia, que ninguém entra nas drogas pra se tornar dependente. – Todos (as) começam buscando divertimento, um pouco de prazer ou mera experiência que seria inconsequente. Os que experimentam se dizem seguros de que é só uma provada boba e nada mais. E Ainda: que só fumam ou cheiram enquanto quiserem. Que no dia que queiram, largam o experimento, que consideram coisa de otários etc.

Pura ilusão: o vício, aos poucos e rapidamente, passa a dominar o usuário, de forma assustadora. Acaba com quaisquer projetos de vida, quais sejam: família, estudo, trabalho, lazer, atividades esportivas e sociais etc. E o pior, vale repetir: além de destruir o viciado, destrói a família deste. Afasta seus ex-amigos e muito mais. – O sofrimento é terrível para todos os que tenham a desdita de se deparar com tamanho infortúnio. – E se alguém acha que o drogado não sofre, é percepção errônea. Porque este sofre e sofre muito.

Nos debates a que me reporto, os dependentes participam ao lado de suas famílias. Isto é, os que têm família e esta compreende a dependência como sendo doença. – E nessas reuniões tenho ouvido depoimentos os mais alarmantes possíveis, tanto dos usuários, quanto das famílias deles. – Ficamos estarrecidos com a força das drogas aniquilando pessoas inteiramente. – Força estranha que corrói as vítimas e reduz demasiadamente a capacidade de ação dos seus familiares! – Ali encontramos usuários com idade que varia entre 20 anos a 60 e poucos anos. Uns com mais de 20 ou 30 anos no uso das drogas. E outros que estão ainda começando. – Todos de classe média.

Como exemplo dos inúmeros depoimentos ouvidos, cito dois para ilustração: 1º - De um usuário de 48 anos: “Pedi a meu pai hoje pra pagar ao traficante. E ele me perguntou: ‘até quando isso vai durar, filho’? – Respondi: Não sei.” – 2º - De um pai: “Muitas vezes saí de casa às três horas da madrugada, para ir buscar esse rapaz dentro de uma favela, numa rodada de crack.”

Essa é uma realidade terrível, em que sofrem todos: esposas, filhos, pais e demais parentes próximos que vivem a tortura da incerteza, com respeito ao amanhã. – Porque essa doença, mesmo não sendo terminal, não tem cura definitiva. – Ninguém garante a recuperação definitiva do drogado.

Há, contudo, percentual pequeno de alguns que abraçaram o vício e, com tratamento continuado e bastante esforço, conseguem manter a abstenção, por anos e anos. – Mas a vigilância tem de ser constante. Assim como é constante a tentação da recaída. E isso dura enquanto tais vítimas vida tiverem. – Por consequência, elas têm de ser acompanhadas por psicoterapeutas e outros profissionais especializados, durante todo o resto de suas vidas. – Há os que chegam a passar dez ou mais anos em abstinência. Mas, quando menos se espera, vem o recaimento.

Não há esperança de cura definitiva. O que há é a expectativa angustiante da persistência do problema. É o desespero de quem viverá assustado pelo resto da vida. As famílias sofrem porque o seu ente querido está destruindo a própria vida e a vida de todos os seus. – E os planos de vida que habitavam o imaginário dessas pessoas, de hora para outra, quer de um, quer dos outros, vão por água abaixo.

Inevitavelmente o vício leva à morte. E os viciados têm ciência disso. – Então, que força tão estranha é essa que faz uma pessoa fazer aliança com a morte, renunciando aos bens da vida? – Pergunta sem resposta!

Enquanto esse infortúnio não chega às nossas portas (e Deus permita que nunca chegue), não fazemos ideia da dimensão desse flagelo. Considerando o alastramento desse enorme mal nas sociedades “modernas”, cada qual que peça a Deus para não se deparar com semelhante desastre. – Em consequência do consumo de drogas, os dependentes adquirem depressão profunda. E, a cada recaída, esse imenso sofrimento é multiplicado. – Mas a força desse terrível mal está sempre puxando essas vítimas para o fundo do poço. É o inferno aqui na terra. – É ISSO./.