quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Prefácio


PREFÁCIO

“Há pessoas que têm uma biblioteca
como os eunucos têm um harém.”
(Marquês de Maricá.)

          Hugo Vaz brinca com palavras. Contudo, ele não tira o aspecto de seriedade que as palavras encerram em si. Aliás, Hugo dá muita seriedade às palavras. Este seu livro que ora senta praça na nossa praça, é um jogo educativo e divertido. É jocoso e sério, ao mesmo tempo.

          Todavia, para quem acompanha a trajetória do escritor e jornalista Hugo Vaz, nada disso constitui novidade. Habituado ao manejo fácil das palavras, Hugo brinca com elas, com maestria. Dotado de vastos conhecimentos gerais, inclusive e especialmente linguísticos, ele passeia com desenvoltura, nesse terreno, sem espanto, nem assombro.

          Já com um bom punhado de livros publicados e outros no prelo, aguardando a hora mais adequada para lançar-se no mercado livreiro, Hugo nos traz mais essa lição de sabedoria e de dedicação à arte de falar e de escrever. Mais ainda: dá o tom da sua disposição para pesquisar.

          Logo na página dois, Hugo foi a Sevilla e nos trouxe San Isidro. Com o santo, veio o adjetivo hispalense, designativo cultista dos que são de Sevilla, os sevillanos.

          Graciliano Ramos, o mestre Graça, já dizia, com aquele semblante sisudo, de homem de poucas palavras: “Liberdade completa, ninguém desfruta. Começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas com o Dops.” Graciliano não brincava com palavras. Por isso mesmo, foi excelente escritor.

          Sobre Hugo Vaz não preciso falar muito. Pois os seus leitores já o conhecem bastante. Mas também, não devo ficar mudo. Pois, se assim fosse, palavras me faltariam. E eu não brinco com palavras. Não sei brincar de palavreado.

          Nesse mundão das palavras, faladas ou escritas, o que nos espanta é saber que, a despeito da riqueza de vocabulário da nossa língua, os modismos, os lugares-comuns, os vícios de linguagem etc., cada dia mais proliferam. Parece que o nosso eterno complexo de vira-latas, de que nos falava Nelson Rodrigues, referindo-se ao futebol, vai muito mais além. Atingiu em cheio o campo da linguagem – falada e escrita, repita-se.

          Exemplos caseiros vêm logo adiante. Porque é preciso muito “saco”, para aturar repórteres e outros bichos, falando bobagens e mais bobagens, neste mundo de meu Deus. Na imprensa nossa de cada dia, fala-se e escreve-se, entre outras bobagens: “Crianças de zero a dez anos”. Eu nunca vi criança de zero ano. Já vi criança com 20 minutos de nascida; com seis meses de idade; com um ano etc. Zero ano, para mim, é novidade.

          E o que dizer de “vítima fatal”? Usam essa expressão, à larga, para se referirem à vítima de morte. Ora, fatal, tem muitas acepções; uma delas nos diz que é aquilo que causa dano, que mata; que é funesto. E para vítima, também há vários significados. Um deles designa quem sofre um dano ou prejuízo. Mas em nenhum momento é dito que vítima de morte é vitima fatal.

          Assim, convenhamos: vítima fatal seria a vítima de suicídio? Eu conheço vítima de bala, vítima de colisão, vítima de injúria, vítimas das enchentes dos rios, vítimas de outras maldades dos homens, vítimas das tropelias dos escribas e de outros falantes e escrevinhadores etc. Mas nunca vi vítima fatal, porque nunca vi gente “suicidada” ou “morrida” por suicídio. De minha parte, prefiro uma mulher fatal! Que, de fatal, só tem um “bem profundo” que nos faz tanto bem, desde que o mundo é mundo!

          Por falar em mulher, que é coisa boa, peço licença ao Hugo, para citar uns versinhos do Zé Limeira – poeta do absurdo. E poeta dos bons, segundo o jornalista Orlando Tejo, que tão bem o descreve em livro, cujo título está logo acima. Eis aí os versos do Limeira:

“Senhora dona Zefinha / esposa dum cabra macho /
Muié boa que nem essa / no mundo todo eu não acho.
Eu sou um homi de fé / mas só conheço a muié /
Olhando a parte de baixo.”
 Outro:
“São José já me dizia / você tem que ver de tudo:
Cachorrada, safadeza / homi macho cabiludo...
Você vai ver em Campina / muié de carça tão fina /
Que a gente vê o veludo.”

          Naquele dia, Limeira havia sido convidado pelo poeta Heleno Firmino, para uma cantoria na casa deste, em Lagoa Seca – Paraíba. E a primeira estrofe acima, foi saudando a esposa do Heleno, dona Zefinha. Heleno havia pegado um gravador emprestado, para gravar a cantoria. E diz que foi uma noite inesquecível. Diz mais: “Na sua inocência, o poeta iniciou a cantoria com uma irreverente saudação à minha esposa, que perdoei, levando em consideração que já conhecia de perto, há muitos anos, o violeiro do Teixeira (Serra do Teixeira) e sabia que se tratava de um homem honesto, uma alma pura de criança.”

          Retomando o tema principal e deixando a marola de lado: estas frases,
atribuídas ao professor Antônio Sales, pra mim, são interessantes e oportunas: “Existem dois tipos de textos – o literário e o não literário. Ambos começam com letra maiúscula e terminam com ponto. A diferença está no recheio. O primeiro esbanja talento. O segundo, a informação.” – O grifo é meu.

          Pelos dizeres do professor, fica implícito que há recheios e recheios. E estes são o conteúdo do que escrevemos. São a essência do texto. Sem zelo e sem aprendizado constante, os escribas dão com os burros n’água. E se eles caírem n’água é porque os burros são eles mesmos. Culpa de quem? Da pressa, das exigências do patrão ou do desleixo com a linguagem? Não importa.

          De modo diferente, há um linguista meio pernóstico, ou pernóstico e meio, de nome Marcos Bagno, que condena todas as gramáticas normativas; todos os dicionários e mais os manuais de redação, venham eles de onde vierem. O senhor Bagno quer que a fala e a escrita fluam ao bel-prazer do falante. O seu livro “Preconceito linguístico” tem estampado na capa o sogro e a sogra dele. E diz ele que os sogros são analfabetos. Por isso, têm a linguagem deles. Até aí, tudo bem. Mas em vez de querer que nós falemos e escrevamos como falam os seus sogros, melhor será que o “seu” Marcos Bagno ponha o casalzinho na escola.

          Também, não vamos ser presunçosos ao ponto de querermos usar a linguagem padrão, ao falarmos com o nosso homem do campo. Este tem o direito de falar à sua maneira. Porque foi assim que ele sempre falou. O meio rural foi a sua escola. Se nós chegarmos lá dizendo que ele está sendo “redundante” ou que está “inadimplente” perante o banco, ele tomará o maior susto. Ficará sem palavras!

          Assim, a fala deve ser adequada à ocasião e ao espaço. Eu posso chegar para um amigo muito culto, profundo conhecedor do nosso idioma, e dizer: “Oh, cara, onde tu andavas?” E ele não deve estranhar essa fala coloquial, essa informalidade. Contudo, se eu disser: “Oh, cara, onde tu “andava?”, ele vai notar que há algo fora do lugar. O verbo aí não casa com o pronome. Reparem a sintaxe nos oprimindo. Uma opressão que, se mantivermos os devidos cuidados, não nos vai incomodar. Mas os cariocas falam desse jeitinho troncho e nem se incomodam com sintaxe!

          Digo que Marcos Bagno é pernóstico, porque ele se utiliza bem direitinho das gramáticas normativas e dos dicionários para escrever os seus livros e, com eles, ganhar dinheiro. Escreve muito bem, por sinal. Totalmente de acordo com as normas gramaticais vigentes, que ele tanto condena.

          E vamos adiante, sem brincar com palavras. E sem esquecer o Brincando com palavras. Há uma sentença atribuída a Eça de Queirós, com a qual eu não concordo tanto. E sei que muitos discordam por inteiro. A máxima é esta: “Um homem só deve falar, com impecável segurança e pureza, a língua da sua terra. Todas as outras as deve falar mal, orgulhosamente mal, com aquele acento chato e falso que denuncia logo o estrangeiro.”- Nem tanto ao mar, nem tanto a terra.

          A propósito, certa vez, num debate sobre literatura, na União Brasileira de Escritores – UBE – Recife, Raimundo Carrero, já cheio com as intervenções desnecessárias de um casal velhote, disse: “Por que eu tenho de aprender todas as línguas do universo, só pra pronunciar bem o nome dos autores estrangeiros? Cada qual que pronuncie do jeito que souber e quiser.”

          Já fiz muitos rodeios, em vez de escrever um prefácio. É no que dá convidar para tal mister, quem do mister não entende. Por isso, fico fazendo citações e mais citações. E como fica o recheio de que falei há pouco? Contudo, transcrevo mais uma. Contam que Catarina da Rússia, dissera esta frase: “Eu elogio em voz alta e censuro em voz baixa.” É pena que eu não possa dizer de igual modo. Porque elogio em voz alta e censuro, também, em voz alta.

          Vejamos: em 1º de janeiro de 2009, entrou em vigor um mal formulado acordo ortográfico, que eu chamo de acordo “pornográfico”. O uso do trema foi abolido. Mas vai fazer-nos falta. O emprego do hífen, que já era complicado, ficou bem pior. Muito do que era, deixou de ser. E alguns que não eram, passaram a ser. E muitos e muitos continuaram sendo. Assim, foi feito o samba do hífen doido.

          Quanto à acentuação tônica, bagunçaram os ditongos abertos das paroxítonas, como idéia, paranóia, assembléia, jibóia etc., que perdem o acento agudo. Mas até 31.12.2012, nós podemos escrever tanto da forma antiga, quanto da atual. Por isso, ainda continuo escrevendo como se essa reforminha não tivesse havido. No entanto, a partir de 1º.1.2013, se não houver uma reforma da reforma, passarei a me enquadrar aos moldes então em vigor.

          Por tantas e quantas, resta-me recomendar, veementemente, a leitura do “Brincando com palavras”, do amigo Hugo Vaz. Notem, por oportuno, a confusão que um adultério poderia causar, quando adultério era crime. Isso, ante as lentes de um advogado ladino (ou “ladrinho”).

Por fim, divirtam-se com os ditos populares citados por Hugo. Entre estes, “o pau que nasce torto”. Mas tenham cuidado, porque além de urinar no chão, ele pode fazer estragos, ao levantar a cabeça. Toda atenção é pouca.

          Aprendam também com o menino dorminhoco. Mesmo sabendo que o irmão achou R$1.000,00 porque acordou cedo, ele, de pronto, replicou: “Mas andou mais cedo quem perdeu o dinheiro, mãe.” Ponto para o bom baiano. E ponto para este livro que ora é lançado na nossa praça.

Junho, 2010, José Fernandes Costa.


sábado, 3 de janeiro de 2015

Esperar um grande amor




Esperar um grande amor / causa certa ansiedade / no peito entra uma dor / o tempo é uma eternidade. / Mesmo sem fazer alarde / a espera do amor / ainda que pra mais tarde / pode dar cisma e temor. / Mas, pra que ansiedade / se o nosso amor vai chegar? / E não é só amizade / é amor que vai ficar. / Ficar mesmo de verdade / só querendo o bem-bom / desaparece a saudade / e é o amor que dá o tom. / Dá o tom do que virá / daquilo que há de vir / que vem e não passará / não há tempo de partir. / Se não parte é porque fica / no peito essa coisa boa / mas pra isso deixo a dica: / não queira um amor à toa! /.

Meigo arrebatamento





Do alto da cordilheira / avistei a ribanceira / ao lado do riozinho / tudo muito miudinho. / Fiquei por ali mirando / o mirante me olhando / naquele mundo pequeno / cercado de azul sereno. / Cheguei perto do mirante / parei ali por instante / vi a água borbulhar / e o vento rodopiar. / Na pequena travessia / vi amanhecer o dia / passei pelo quebra-mar / quis na areia pisar. / Provei do doce veneno / tão doce quanto ameno / duma mulher moderninha / que andava tão sozinha. / Voltei pra casa contente / senti tudo diferente / na mente aquela visão / mas pisei firme no chão. / Minha mente só pensava / na mulher que me amava / com tanto desprendimento / e meigo arrebatamento. /.