segunda-feira, 9 de maio de 2016

Da escritora gaúcha Martha Medeiros



 


É bom ter mãe quando somos criança; e também é bom quando somos adultos. Quando somos adolescentes, a gente pensa que viveria melhor sem ela; mas é um erro de cálculo. Mãe é bom em qualquer idade. Sem ela, ficamos órfãos de tudo, já que o “mundo” lá fora não é nem um pouco maternal conosco.
O “mundo” não se importa se estamos desagasalhados e passando fome. Não liga se virarmos a noite na rua; não dá a mínima se estamos acompanhados por maus elementos. O “mundo” quer defender o seu, não o nosso.
O “mundo” quer que a gente fique horas no telefone, torrando dinheiro. Quer que a gente case logo e compre um apartamento que vai nos deixar endividados por vinte anos. O “mundo” quer que a gente ande na moda; que a gente troque de carro; que a gente tenha boa aparência e estoure o cartão de crédito.
Mãe também quer que a gente tenha boa aparência, mas está mais preocupada com o nosso banho, com os nossos dentes e nossos ouvidos; com a nossa limpeza interna: não quer que a gente se drogue; que a gente fume; que a gente beba.
O “mundo” nos olha superficialmente. Não consegue enxergar através. Não detecta nossa tristeza, nosso queixo que treme, nosso abatimento. O “mundo” quer que sejamos lindos, sarados e vitoriosos para enfeitar ele próprio, como se fôssemos objetos de decoração do planeta. O “mundo” não tira nossa febre, não penteia nosso cabelo, não oferece um pedaço de bolo feito em casa.
O “mundo” quer nosso voto, mas não quer atender nossas necessidades. O “mundo”, quando não concorda com a gente, nos pune; rotula-nos; exclui-nos. O “mundo” não tem doçura, não tem paciência, não para (verbo) para (preposição) ** nos ouvir. O “mundo” pergunta quantos eletrodomésticos temos em casa e qual é o nosso grau de instrução, mas não sabe nada dos nossos medos de infância, das nossas notas no colégio, de como foi duro arranjar o primeiro emprego. Para o “mundo”, quem menos corre, voa. Quem não se comunica se trumbica. Quem com ferro fere, com ferro será ferido. O “mundo” não quer saber de indivíduos, e sim de slogans e estatísticas.
Mãe é de outro mundo. É emocionalmente incorreta: exclusivista, parcial, metida, brigona, insistente, dramática; chega a ser até corruptível, se oferecermos em troca alguma atenção. Sofre no lugar da gente, se preocupa com detalhes e tenta adivinhar todas as nossas vontades, enquanto o “mundo” propriamente dito exige eficiência máxima, seleciona os mais bem-dotados e cobra caro pelo seu tempo.
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