A morte do fiscal
José Fernandes Costa – jfc.costa15@gmail.com
A minúscula Vitória da Serra
foi a cidade onde Pedro viveu sua infância. Lá, até as pequenas coisas causavam
agitação. Os acontecimentos maiores eram motivo de grande rebuliço. De
ordinário, a vida ali era tão calma que dava canseira. As pessoas esperavam
novidades, fossem quais fossem; mas só muito dificilmente as tinham. E ninguém
esperava acontecimentos trágicos. A grande maioria dos habitantes da cidade era
muito pacata e só desejava coisas boas.
Certo dia, Pedro estava em
sala de aulas, no Grupo Escolar, onde fazia o curso primário. Eram
aproximadamente 9 horas da manhã. Ouviram-se três estampidos parecendo disparos
de arma de fogo. – Naquele lugar tranquilo, o que destoava era o hábito de
homens “importantes” andarem sempre com revólver à cinta, de modo ostensivo,
não se sabe pra quê. Era mais um sinal do atraso daquele lugarejo.
Passado o susto com os
estampidos, em poucos minutos começaram os cochichos e comentários à boca
miúda. As aulas foram interrompidas. Os adultos se mostravam inquietos e
falavam baixinho, demonstrando muita reserva. Os meninos, em natural
curiosidade, de tudo querendo saber, indagavam o que houvera e ficavam mais
atordoados.
Em pouco tempo veio a
notícia: João Sacristão havia assassinado o fiscal das rendas estaduais,
Arnaldo Saraiva. O fiscal, ainda novato no lugar, tinha vindo da capital, havia
poucos meses, substituir um colega que se afastara por doença. – Seu Arnaldo
foi morto no meio da ponte principal do lugar, à luz do dia, quando ia para o trabalho.
João Sacristão, assim era
chamado, por ter sido cria de padre; era um tipo mal-encarado. Estava sempre
nos bares, dada a sua destreza no jogo de sinuca. Era bem tratado pelos
senhores da terra, que o tinham na conta de um sujeito perigoso. Um perigoso
que seria muito útil em certas ocasiões, diziam. João atirava bem e era muito
disposto. O certo, porém, é que de sacristão ele nada tinha. Deixara os
recantos da sacristia muito cedo, quando reconheceu estar no lugar errado.
Na cabeça dos meninos, a
morte do fiscal era mistério. De nada eles sabiam, ainda que toda a cidade
soubesse do namoro quente do fiscal com a mulher do seu Renato. O velho Renato
era um sujeito grosseirão e pertencia a uma família “ilustre” daquela terra. Portador
de um defeito físico, vivia sempre praguejando. Não tinha temor a nada. Xingava
vivos e mortos; Deus e o diabo.
João Sacristão, após o crime,
disparou o restante da munição, para assombrar os curiosos; e desapareceu de
fininho, pela margem do rio Paraíba. Mais adiante recarregou o revólver. E
seguiu em ligeiro.
Hermes Braga era o delegado
em exercício no município. Homem polido e de poucas palavras. Não era da farda,
nem tinha diploma. Mas era bem instruído e muito informado. Inteligente,
respeitado e admirado pelo povo dali; era tido como bom na função de delegado.
Filho do lugar; habilidoso na política e exímio conhecedor dos males da região.
– Sempre que o posto de delegado ficava vago, o governador assinava portaria,
designando o senhor Hermes Braga para a função.
Logo a após o homicídio,
Hermes foi avisado do crime. Incontinênti, convocou um cabo PM, seu auxiliar, e
seguiram a pista do bandido, montados a cavalo. Cerca de quatro quilômetros
adiante avistaram João Sacristão que tentava fugir pelo mato.
Apressaram os cavalos. Em
poucos minutos Hermes deu voz de prisão ao bandido João. – João Sacristão
voltou-se num gesto rápido, revólver em punho, querendo reagir. Frente a frente
com o delegado, este também com o 38 na mão, João mudou de atitude e retirou a
carga da arma. Aquelas balas, disse ele, estavam reservadas para qualquer um
que se atrevesse a prendê-lo, mas não para seu Hermes. E se entregou à prisão.
João não sabia ler. Em seu
bolso foi encontrada uma carta. Interrogado sobre ela, ali mesmo, disse que a
estava levando para o irmão do seu Renato, na fazenda Barra Mansa, para receber
o restante da quantia acertada para o trabalho que acabara de executar.
Hermes leu a carta que
continha uma sentença de morte: Bentinho, irmão mais novo do velho Renato,
deveria eliminar João Sacristão o mais rápido possível; pois ele havia cumprido
a tarefa e aquele assunto teria de ser encerrado ali mesmo. Ninguém mais
poderia saber.
Preso, João Sacristão foi a
júri dois anos depois. Condenado à pena de 22 anos e alguns meses, teve de
cumprir a sentença. – O velho Renato, sujeito de família “tradicional”, ficou
alguns meses em regime semiaberto. Até que foi a júri. – Não é de
estranhar que o Conselho de Sentença tenha absolvido seu Renato
por sete a zero. – Mas, alguns anos depois, o velho Renato morreu de um câncer
violento. – Assim, cumpriu-se outra sentença. /.
Qualquer semelhança com pessoas ou fatos, NÃO é mera coincidência. - A imaginação saiu de caso real. /.
ResponderExcluirJacinta Padilha disse:
ResponderExcluirAcabei de ler o conto. Muito bom! - E como disse: "Qualquer semelhança com fatos ou pessoas NÃO é mera coincidência."
Teste.
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