Segunda-feira, 18 de março de 2013.
(*) José
Fernandes Costa jfc.costa15@gmail.com
Não sei se temos o pior parlamento do mundo. Mas sei
que o nosso parlamento é muito ruim. Das Câmaras de Vereadores ao Senado da
República. – O principal interesse dos parlamentares, de ordinário, é legislar
para eles próprios. – Tome-se como exemplo, o foro privilegiado, a que
eles puseram nome enganador de foro especial por prerrogativa de função
pública.
Esse instituto do foro privilegiado foi criado só para
beneficiar os que cometem crimes e se abrigam numa função pública dita
relevante. Com isso, eles criam duas ou mais categorias de cidadãos: de
primeira, segunda e terceira classes etc. – Como a Constituição Federal dispõe
que todos são iguais perante a lei, mesmo sendo isso uma grande mentira, os
tais legisladores dizem que quem goza da prerrogativa é a função pública, e não
o indivíduo que cometeu o crime. – Bom artifício para acobertar crimes de toda
ordem.
Muitos dos leitores se lembram de Talvane Albuquerque
e Ronaldo Cunha Lima, para citar só dois delinquentes, há pouco privilegiados!
Pois bem: Talvane era deputado federal por Alagoas, em primeiro mandato. E
tinha uma lista de crimes nas costas, cobertos pelo manto da impunidade e do
foro privilegiado. – Ceci Cunha também era deputada federal naquele estado. No
pleito seguinte, Ceci renovou o mandato e Talvane ficou na primeira suplência
da mesma coligação de Ceci. – Aí nasceu o macabro plano de Talvane: se Ceci
morresse, Talvane assumiria na vaga dela e continuaria escondido no privilégio
do foro e na impunidade conferida pelos seus pares.
Deixando Talvane e Cunha Lima para tratarmos depois,
voltemos ao reino da indecência. Onde a coisa é tão imoral, tal como veremos a
seguir. – Havia a Súmula 394 do Supremo Tribunal Federal (STF). Tal
súmula preceituava que “cometido o crime durante o exercício funcional,
prevaleceria a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o
inquérito ou a ação penal fossem iniciadas após a cessação daquele exercício”.
– Vejam a devassidão jurídica, quando querem beneficiar o criminoso, mesmo após
ele deixar a função pública! – Ora, mas não é a função pública que se visa a
proteger, segundo dizem eles? – Por que tamanha malandragem, saída do próprio
STF?
Contudo, 35 anos após a vigência dessa súmula,
espalhando privilégios a torto e a direito, o próprio STF decidiu extingui-la,
por unanimidade, em sessão plenária, no dia 30.4.1997, atendendo a uma questão
de ordem levantada, no início de um julgamento, onde o réu foi um ex-deputado
federal. – Eram outros os juízes do Supremo. E o ministro Sidney Sanches teve atuação
preponderante na derrubada da escabrosa súmula.
Disse o ministro Sanches, naquela ocasião: - “A
prerrogativa de foro visa a garantir o exercício do cargo ou do mandato. E não
tem por que proteger quem o exerce. E menos ainda quem deixa de exercê-lo.”
Assim, restou consignada pelo STF, a decisão de que,
deixando o cargo definitivamente, seja qual seja o motivo, seu ex-titular não
terá direito ao privilégio de ser processado e julgado em órgão jurisdicional
diferente daquele que teria qualquer outra pessoa do povo.
Mas, como os nossos parlamentares e afins cometem
muitos crimes, ficaram assustados com o cancelamento da Súmula 394. Assim,
tentaram reaver parte dos privilégios. Foi o que ocorreu com a aprovação da Lei
10.628, pelo Congresso Nacional. Esta foi sancionada por Fernando Henrique
Cardoso, ao apagar das luzes do seu governo. E quando se acendiam as luzes do
Natal. Isto é, no dia 24.12.2002 essa lei espúria foi ratificada pelo
presidente da República, faltando, apenas sete dias para o término do seu
governo.
E o que dizia a Lei 10.628? – Alterava o art. 84 do
Código de Processo Penal, adicionando-lhe dois parágrafos. O caput do art. 84
não sofreu alteração digna de nota. Mas atentem para os dois parágrafos
introduzidos:
§ 1º - A competência especial por prerrogativa de
função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o
inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da
função pública.
§ 2º - A ação de improbidade, de que trata a Lei 8.429,
de 2.6.1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e
julgar criminalmente o funcionário ou autoridade, na hipótese de prerrogativa
de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no § 1º.
Face ao disposto no art. 5º da Constituição de 1988, a
inconstitucionalidade desses parágrafos é patente. Fere de morte o princípio da
isonomia, assegurada esta no caput do art. 5º da CF. – A propósito, o jurista
Dalmo de Abreu Dallari assim se manifestou, quando esse monstrengo ainda era
projeto de lei: - “Embora seja escandalosamente inconstitucional, esse
projeto foi estranhamente aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da
Câmara dos Deputados, onde se supõe que haja conhecedores da Constituição.”
Foi sancionada a lei, como vimos acima. Pela gritante
aberração jurídica, três dias após, em 27.12.2002, a Associação Nacional dos
Membros do Ministério Público ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade
(Adin). Entretanto, só em 15.9.2005 houve a apreciação final da Adin e a Lei
10.628/2002 foi revogada, cancelando, assim, os dois parágrafos acima expostos.
Vejam outra face negra dos privilegiados: se um
promotor de Justiça de São Paulo matar um cidadão sergipano, em Aracaju, ele
vai responder pelo homicídio no Tribunal de Justiça de São Paulo. – Não é de se
esperar que ele respondesse ao processo no Tribunal de Justiça de Sergipe? Já
que Aracaju teria sido o local do crime e onde seria o domicílio do réu. – Esse
mesmo artifício serve para os prefeitos.
Assim, outro exemplo hipotético: um elemento de outro
estado é acusado de participar do assassinato de um desafeto em João Pessoa
(PB). E está respondendo ao processo em João Pessoa, que é o domicílio do réu.
– Pouco tempo depois, esse indivíduo se elege prefeito de uma cidade qualquer.
– Aí, então, o processo a que ele respondia vai para o Tribunal de Justiça do
estado onde ele é prefeito. E ainda poderá levar os possíveis coautores do
homicídio para o foro privilegiado! – Num raciocínio honesto, a lei
não deveria ordenar que o processo saísse do juízo de 1ª instância (Tribunal do
Júri) para o Tribunal de Justiça do estado onde se deu o crime? E preceituar,
claramente, que só o detentor do cargo público é que teria o foro privilegiado?
Tanto que se este for isentado de culpa, no decorrer do processo, os demais
voltarão para o juízo de origem! É por essas e outras libertinagens que o
Congresso se desmoraliza mais a cada dia. – Entretanto, o parlamento já é
pervertido e está se lixando por se corromper mais e mais.
Notem a monstruosidade: no caso hipotético a que me
referi acima, havendo concurso de pessoas, estas poderão, sem função
pública, também, utilizarem-se do foro privilegiado. É ou não é um escárnio? –
Imaginemos que o ex-jogador de futebol que ordenou o assassinato de Eliza
Samudio houvesse sido eleito prefeito de Vila Velha (ES). Com isso, o processo
que corria no juízo de Contagem (MG), teria ido para o Tribunal de Justiça de
Vitória (ES). – E, de quebra, iriam os comparsas do dito ex-goleiro. Todos
criminosos frios e de alta periculosidade, aí incluído o tal ex-jogador. – É
fácil digerir essas práticas perniciosas?/.
(*) José
Fernandes Costa é advogado. – 18.3.2013
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