O Brasil não é um país sério
"Conheço
muitos brasileiros sérios, mas as nossas instituições não são sérias.”
Por Luciana Grassano
Melo
Professora de Direito da UFPE
Não digo isso dos brasileiros. Conheço muitos brasileiros sérios, mas as nossas instituições não são sérias. Semana passada, conversando com minha esteticista, que também é auxiliar de enfermagem aposentada, soube que ela entrou com um pedido de restituição junto ao Estado de Pernambuco, porque pagou mais do que devia para se aposentar. Quase não acreditei, e perguntei: - Como isso foi acontecer? Ela me respondeu: - "Em toda a minha vida, só conheci os meus deveres. Minha preocupação sempre foi cumprir os meus deveres. Nunca pensei muito nos meus direitos..."
Recordo-me
também que, como procuradora do estado, durante muitos anos trabalhei na dívida
ativa. E atendi inúmeros pequenos contribuintes que me procuravam para
regularizar a sua situação de devedores. E eles diziam: - Doutora: estou aqui
porque eu quero pagar. A senhora não pode parcelar para mim, não?
Dou esses
exemplos para retirar da afirmação que faço, milhões de brasileiros sérios e
honestos, que trabalham com dignidade e são preocupados com o cumprimento dos
seus deveres para o desenvolvimento do país.
Quando
analiso a situação caótica em que as nossas autoridades colocaram o nosso país,
vejo que o Brasil não é um país sério, porque grande parte de nossas autoridades
apenas se preocupam com seus direitos, seus escusos interesses e seus
mesquinhos privilégios.
O que pensar
da prática do parlamento brasileiro? A cada dia que passa fica para mim mais
evidente a crise da legalidade. Quando penso na imensa linha que separa os
valores sociais que eu defendo e os impublicáveis valores corporativos que são
defendidos pelos nossos deputados e senadores, fica mais difícil, para mim,
acreditar no poder legitimador das leis dali emanadas.
O que pensar
da prática do executivo brasileiro? Um presidente que, no meio de uma crise
política de enormes proporções, que todo o mundo está vendo, vai à ONU
cinicamente afirmar ser beneficiário de extraordinária estabilidade, após
irresponsavelmente mentir sobre o número de refugiados no Brasil. Isso não é
sério!
O que pensar
da prática do judiciário brasileiro? Juízes que violam regras básicas de
imparcialidade e tribunais que desmerecem garantias constitucionais e não se
constrangem em afirmar que “problemas inéditos exigem soluções inéditas”, o que
é a mais
absoluta afronta ao Estado de Direito; aos direitos e garantias individuais e à
separação de poderes. Não, isso não é sério!
O que pensar
da prática do Ministério Público brasileiro? Um poder chegado a exibicionismos,
que demonstra sua convicção em rede aberta de TV e com gráfico de PowerPoint,
apesar de deixar entender que não tem provas contra o acusado; e que a despeito
disso decide, por convicção, denunciar...
Fala sério?!
O que pensar
da prática da nossa polícia? Que coíbe o direito ao protesto coletivo através
de intervenções desproporcionais e que, no âmbito da Lava-Jato, promove
conduções coercitivas arbitrárias, inclusive, escandalosamente cumprindo
mandado de prisão em centro cirúrgico, onde um cidadão brasileiro com endereço
certo acompanhava a esposa enferma para tratamento ... Isso é quase barbárie!
Podia
continuar com uma lista sem fim da nossa falta de seriedade ... Mas a esse
ponto, só remeto meus leitores a duas frases perfeitas: uma marxista, que
afirma ser "a prática o único critério da verdade"; e a outra popular, que "garante
não existirem argumentos contra fatos". Vai ver que é por isso que não
escutamos mais soarem as panelas do Brasil.
*Professora de Direito da UFPE
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