Acordo ortográfico
(2)
"Ser cronista é viver em voz
alta."
Manoel Bandeira,
poeta.
O eminente
jornalista Juracy Andrade chamou essa reforminha de reforma cacográfica.
Eu prefiro chamá-la de reforma comercial, por envolver questões
econômico-financeiras. Por ser mais acordão do que reforma. Acordinho
ou acordão, ele é cheio de exceções e pendências. Tem de tudo pra desunir.
E nada para unir. Pode-se dizer: vai do nada a lugar nenhum.
Dizem
os sábios brasileiros que o produziram, que o novo Volp (Vocabulário
Ortográfico da Língua Portuguesa)
vai tirar todas as dúvidas. O novo Volp saiu, mas
as dúvidas vão continuar do mesmo jeitinho. Porque poucos têm acesso
ao Volp.
E os que a ele têm acesso, vão continuar com as mesmas dúvidas, que são muitas.
Tantas quantas eram antes da reforminha. E um desses sábios, o professor
Evanildo Bechara, já disse que é provável haver necessidade de
nova edição do Volp
no fim de 2012. Assim sendo, nesses quatro anos, haverá a reforma da reforma.
Se
saiu uma edição agora para corrigir o que está muito turvo nesse acordo
comercial, e tem de fazer outra tiragem ao término do tempo em que o
infeliz acordo está sendo testado, então será a reforma do acordo político
e financeiro. Pergunta-se: ao fim dos quatro anos o acordinho já
não deveria passar a valer de vera? Se vai fazer-se revisão nisso tudo, implica
reeditar todo o acervo das bibliotecas escolares: dicionários, manuais,
gramáticas etc. Também nós consumidores outros, seremos chamados a comprar.
Porque temos de estar atualizados. E haja ganho para os editores e demais
comerciantes livreiros.
No
dia 25.2.2009, assisti a uma entrevista da profª Rosa Maria, na Rádio
CBN, em defesa dessa reforma. Segundo o radialista Aldo Vilela, Rosa
Maria é professora de Lingüística, na Fafire. Mas ela foi muito simplista
na sua análise e pecou pelo otimismo intempestivo, afora alguns tropeços.
Rosa
demonstrou pouco conhecimento da matéria, o que é estranho. E se é professora
de Lingüística, em cursos de graduação, motiva mais estranheza. Porque são os
lingüistas quem mais condenam os gramáticos. E esse acordinho foi feito pelos
gramáticos.
Eis
algumas das contradições da professora Rosa: disse que minissaia não precisa
mais de hífen e terá o S
dobrado. Ora, minissaia, minissérie, minifralda,
miniespaço etc., nunca precisaram de hífen. Agora, pelo acordo que aí está,
esses comparativos mini-
e maxi- vão ter hífen, nas palavras iniciadas pela vogal i: mini-instituição,
maxi-inflação por exemplo. Antes era miniinstituição e maxiinflação, assim como
antiibérico, antiinflacionário, antiinflamatório, que a partir de agora vão
ganhar direito ao hífen: anti-ibérico, anti-inflacionário,
anti-inflamatório. Aí a prova de que esse acordo veio só pra
confundir o que já era confuso (pra falar só do emprego do hífen!) Se
Rosa houvesse usado os antepositivos ANTE- ou ANTI-, como exemplo, poderia
ter sido menos incoerente.
E
mais disse Rosa Maria: que o trema
quase já não era usado! Esse bordão vem sendo repetido pelos defensores da
minirreforma. Mas eu desconheço essa prática alegada, quer na imprensa, quer na
literatura. Em livros, relatórios, teses, jornais, revistas,
dissertações e em outros documentos da espécie, nunca vi o trema
ser omitido quando necessário. Se alguém não o usasse, seria por
ignorância e desconhecimento. Notem, por outro lado (aqui peço licença ao
finado Carlos Lacerda!), que outra professora, referida
abaixo, disse que não havia regras para o emprego do hífen.
Vejamos:
há duas semanas ouvi parte de uma entrevista com uma professora do
Departamento de Letras da UFPE. Não houve tempo pra saber o nome
dela. Mas ela falou bobagem também. Disse que antes não havia regras para
o uso do hífen. E que agora há. Que história é essa de que não havia regras para
o emprego do hífen? As pessoas é que não sabiam usar o hífen. E vão
continuar sem saber. Porque, com esse acordo, a hifenização tornou-se
infernização. Embaralhou tudo. O que era deixou de ser. O que não era passou a
ser. Trocaram seis por meia dúzia e mais alguns complicadores.
Ante tamanha
complicação, está explicado por que Rosa Maria saiu-se mal com o exemplo da
minissaia. Aqui, lembro-me da canção popular, cantada por Elba Ramalho. A
minissaia de Rosa é como a minissaia de Bastiana:
"Tua saia
Bastina, termina muito cedo / tua blusa Bastiana, começa muito
tarde." O que não deixa de ser alvissareiro. Pois "facilita, pra correr na capoeira
/ e facilita, pra dançar na gafieira / e facilita, pra mandar pra
lavadeira / pra passar no ribeirão / e pra subir no caminhão. -
Assim é a minissaia de Rosa Maria.
E
é o Volp
quem vai resolver tudo? Como? Já falei da grande maioria do povo que nunca
ouviu falar no Volp.
Muitos e muitos dos que escrevem, também não conhecem o Volp, ou mesmo, dele
nunca ouviram falar. Pra começo de conversa, ele custa em torno de
R$120,00. E quantos professores, com esses abundantes salários vão querer desembolsar
essa quantia para adquiri-lo? E os outros livros mais necessários?
Sugiro
que Rosa Maria, juntamente com a professora da UFPE façam uma enquete no
meio acadêmico. Incluam professores e alunos de graduação em Letras, Pedagogia
e outros cursos afins. E constatem quantos dos pesquisados conhecem o Volp e quem o tem em
casa! E quantos se dispõem a comprá-lo.
Esse
bla-bla-blá de unificação é história fiada. Sabemos que o castellano,
que é o idioma oficial da Espanha, passou por uma única reforma durante
toda a sua existência. Não obstante, dentro da Espanha haver mais três idiomas
co-oficiais: o gallego, falado na Região da Galicia. O catalán,
empregado em toda a Cataluña, cuja capital é Barcelona, segunda mais importante
cidade da Espanha. O catalán também é falado nas Ilhas
Baleares; e por fim, o bascuense ou euskera, falado na Região
basca, incluindo Navarra.
Nem
por isso um livro editado em Barcelona, na Galícia ou em Valladoli deixa
de ser lido em Madrid, Lisboa ou em São Paulo. Além da Espanha, fala-se
espanhol em toda a América do Sul, com exceção do Brasil. Ainda, na América
Central, Caribe e no México (América do Norte.)
Mas nós
somos campeões em reformas gramaticais. Lembram-se de quando escrevíamos amàvelmente, com esse
acento grave, só porque o adjetivo amável tem acento? O acento grave era só
pra lembrar que amável tem acento agudo. Não é engraçada essa brincadeira
dos gramáticos. Depois fizeram uma reforma para tirar o acento de amàvelmente, amigàvelmente e outras
quinquilharias.
Livros
de autores de língua espanhola, traduzidos ou não, são lidos no Brasil, em
Portugal e em outros países de diferentes idiomas. Sejam de autores
latino-americanos, como Gabriel García Márquez, sejam de espanhóis, como
Federico García Lorca, Miguel de Cervantes, ou do argentino Jorge Luís Borges e
muitos outros.
Na
minúscula Bélgica, o idioma oficial é o francês. Mas, no Norte da
Bélgica o idioma é neerlandês, com as variações do flamengo. E, na Universidade
de Louvain, quase todos, se não todos os cursos de mestrado e
doutorado são ministrados em inglês. Conquanto exista na Bélgica,
correntes separatistas, para preservar suas culturas.
No
Canadá, o inglês e o francês são línguas oficiais admitidas em todoas as
esferas de governo, a partir de 1969. Ambas são usadas no parlamento
livremente. Esse processo tornou o Canadá, nação biliíngüe e
multicultural. As províncias canadenses são livres para escolher seu
idioma.
Se
tantos países mundo afora, convivem com mais de um idioma em seus pequenos
territórios, por que essa ilusão de que se vai unificar a escrita em oito
países de língua portuguesa? Só o Brasil tem 8.500.000Km2, com
diferentes falas e sotaques! E os demais países? Ainda mais quando se
trata de briga de esconde-esconde: Portugal quer uma
coisa, Brasil quer outra. E os países africanos que falam o
português, ficam no meio do tiroteio. É muita pretensão!
Vale
ressaltar que na América latina e Caribe, existem algumas variações no falar,
com relação ao castellano da Espanha. Mas são mínimas. Em Madrid se diz: Me voy a coger un táxi.
Em Buenos Ayres, coger un
táxi é chulo. Vira galhofa para o estrangeiro que o disser. Em Buenos
Aires, se toma un
táxi, un autobus, un microbus etc. Coger, na Argentina, equivale ao nosso chulo comer. Para os
argentinos, é difícil comer
um ônibus. Pra nós, também.
Rosa
Maria disse, também, que só algumas palavras vão manter o hífen.
Então, segue esta amostra, para que se julgue se são algumas: má-fé, boa-fé, bom-dia, boa-tarde,
boa-noite, xeque-mate, tira-teima, bate-boca, amor-perfeito, beija-flor,
decreto-lei, médico-cirurgião, guarda-noturno, alto-falante, segunda-feira,
sexta-feira, finca-pé, conta-gotas, sul-coreano, norte-riograndense, pão-duro,
marrom-glacê, econômico-financeiro, verde-oliva, azul-marinho, ex-reitor;
vice-diretor, ibero-americano, ex-detento, anglo-americano, pró-juventude,
austro-húngaro, luso-brasileiro, euro-asiático, sino-japonês, bla-bla-blá,
diretor-presidente, toque-toque, tique-taque, lenga-lenga, bem-vindo,
pré-nupcial, pré-menstrual, pró-reitor, pós-operatório, tenente-coronel,
recém-chegado, recém-nascido, sem-vergonha, sem-terra, latino-americano,
milho-verde, batata-doce etc. etc. É uma amostra bem
pequenina.
Aqui,
uma perguntinha para os meus quatro ou cinco leitores: por que paraquedas perdeu
o hífen, e para-choque,
para-raios, para-lamas o mantiveram? Estes, só perderam o direito
ao acento diferencial. O texto do acordo é por demais confuso e fala em perder a noção de composição.
- Quem foi que perdeu a noção de composição? Fui eu, foi o pára-quedas ou foram
os velhinhos da ABL. Pois esses sábios da ABL também enrolaram
e nada responderam. Falaram em subjetividade e outras loas. E nisso
ficou. E o que é que é subjetivo nessa história? Porque, se pára-quedas é
subjetivo, pára-lama também o é. Ainda tenho quase quatro anos para acentuar
pára-quedas.
Esse
acordo é cria dos acadêmicos da ABL e dos de sua congênere de Portugal. No texto
do acordo, afirma-se que o prefixo co
não se liga por hífen a palavra nenhuma. Nem mesmo às palavras iniciadas
pela vogal o
e h
(uma das regras do acordo). Exemplo: cooficial, coerdeiro. Mas a página
da ABL na internet, passados cinco meses do início da vigência dessa reforma
atrapalhada, ainda está desatualizada. Lá está escrito: Co-edições ABL. E há
outro emprego esdrúxulo: 17h30min
(!) Para que esse min?
Daqui a pouco estão escrevendo horas com os intragáveis dois pontinhos: hora de
videocassete, dos gringos. - Casa de ferreiro, espeto de pau.
Outro
acadêmico da ABL, o senhor Arnaldo Niskier, diz, em artigo, que "o acordo
simplifica". Simplifica o quê? Não disse. E critica o escritor português,
Vasco Graça Moura, que é inteiramente contra o acordo. Niskier fala com
desdém, quando se refere ao pensamento de Graça Moura, por este se mostrar
preocupado com o destino dos professores. E por dizer, entre outras
coisas, "que o gasto com livros e manuais escolares, pode provocar uma crise
negra, que deitaria ao lixo muitos milhões de euros."
Mas
isso é pura verdade. O fato é que o mestre Niskier, em seu artigo, prefere
falar em mercado editorial e lucro de empresas livreiras. Assim, Niskier
está confirmando a minha tese de que o acordo é tipicamente comercial. Se
fosse para simplificar, teria abolido o hífen, como fez com o trema. Ao
contrário, fez o samba do hífen doido, para endoidar os pobres mortais.
A
ilustríssima professora de língua portuguesa, Dad Squarisi, costuma dizer que o
hífen é castigo de Deus. E que se perguntarmos ao Criador, sobre as manhas do
hífen, talvez nem ele saiba responder. E o professor Napoleão Mendes de Almeida
sustenta que há abuso no excessivo emprego desse minúsculo traço.
Outra:
pé de moleque, expressão ligada por preposição, não tem hífen. Mas
cana-de-açúcar, porco-da-índia, canário-da-terra, ipê-do-cerrado,
João-de-barro, e tantos outros termos ligados por preposições e conjunções
também têm. Isso está nas exceções. O Volp é só vocalário
ortográfico. E não vai explicar toda essa salada à base de óleo de rícino, que
descambou nesse acordo. Portanto, não é o Volp que vai resolver tudo. Temos de
queimar as pestanas nos novos manuais e nas novas gramáticas.
E
como saber quem é e quem não é? Aí é que a vaca tosse e a porca torce o rabo.
Vai ao Volp,
você também. Toda vez que for escrever uma palavra que crie dúvida, procura o Volp. Vai fazer
um concurso, seja lá qual for, leva o Volp
debaixo do braço. Porque, para todos os casos, há uma
regra. Não é só encher uma bisaca de hífen, e sair distribuindo adoidadamente,
não. É regra demais e TPM demais pra esse povão todo.//.
José
Fernandes Costa - Recife jfc1937@yahoo.com.br
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