quarta-feira, 9 de setembro de 2015

FERREIRA GULLLAR



Uns craseiam, outros ganham fama.

Essa mania de inventar aforismos me veio dos surrealistas, que faziam uso deles com irreverência.


FOI EM 1955 que ganhei de Simeão Leal, diretor do Serviço de Documentação do Ministério da Educação e Cultura, um exemplar do livro "Tudo sobre a Crase". Tomei o ônibus que me levaria à revista "Manchete" - então na Rua Frei Caneca-, comecei a ler o livro e, antes de descer, já havia sacado um aforismo: "A crase não foi feita para humilhar ninguém".
Era de fato uma brincadeira com a preocupação dos gramáticos com o uso da crase. Esse primeiro aforismo desencadeou uma série de outros, que publiquei, meses depois, no suplemento literário do "Diário de Notícias".
Essa mania de inventar aforismos me veio dos surrealistas, que faziam uso deles com humor e irreverência. Ainda outro dia citei aqui um deles, de autoria de Paul Éluard: "Bate em tua mãe enquanto ela é jovem". E este: "Parents! Raccontez vos rêves à vos enfants!" (Pais”! Contem seus sonhos aos seus filhos!”).
Naquela tarde, como quase não tinha nada a fazer na Redação da revista, aproveitei para bolar outros aforismos: "Maria, mãe do Divino Cordeiro, craseava mal. E o Divino Cordeiro mesmo não era o que se pode considerar um bamba da crase!".
Escrevia e ria. Borjalo interrompeu a charge que desenhava para vir saber o que me fazia rir tanto. Mostrei-lhe os aforismos e ele, rindo também, chamou o Otto Lara Resende, o diretor da revista. Este, brincalhão como era, pegou o papel de minha mão e leu alto. "Ouve aí, Armando!" Armando Nogueira, redator e repórter de fino humor, logo se juntou ao grupo. Foi uma farra.
Isso só me animou a prosseguir. Depois que o ambiente se acalmou e cada um foi cuidar de seus afazeres, continuei me divertindo: "Quem tem frase de vidro não joga crase na frase do vizinho". E este: "Frase torcida, crase escondida". Mas eis que chegou um texto para copidescar e deixei de lado os aforismos.
Voltei a eles naquela mesma noite, no quarto onde morava, em Copacabana. É que, àquela altura, ganhando melhor, mudara-me da pensão de dona Hortência, no Catete, onde dividia um quarto com Oliveira Bastos e Carlinhos Oliveira.
Sozinho, agora, no sossego daquele aposento silencioso, retomei minha tarefa divertida: "Antes um abscesso no dente que uma crase na consciência". E logo: "Uns craseiam, outros ganham fama". Escrevi mais alguns nos dias que se seguiram até que a fonte secou.
Publiquei-os com uma introdução engraçada, que infelizmente se perdeu. A verdade é que, já na semana seguinte à publicação, os estudantes universitários de Curitiba, que estavam em greve, puseram uma faixa no refeitório com o meu aforismo: "A crase não foi feita para humilhar ninguém". Mas, numa entrevista a um jornal do Recife, um crítico literário o atribuiu a Paulo Mendes Campos.
Não gostei, mas não dei muita importância, pois, no final das contas -disse a mim mesmo-, o que importa são meus poemas, que até agora ninguém atribuiu a outro poeta.
A vida seguiu até que alguém, escrevendo sobre erros gramaticais, citou o aforismo como sendo de Otto Lara. Comecei a ficar grilado, mas me tranquilizei, lembrando que o Otto deve ter me citado e o cara não guardou meu nome. Mas não demorou muito e a autoria do mesmo aforismo foi atribuída a Machado de Assis e, em seguida, a Rubem Braga.
Este, porém, já a par da confusão que se armara, decidiu esclarecer as coisas: publicou uma crônica afirmando que o verdadeiro autor do aforismo, agora tão citado, era o poeta Ferreira Gullar. Fiquei felicíssimo, telefonei a ele, agradecendo.
Anos depois, veio o golpe militar e a ditadura. As circunstâncias me levaram à clandestinidade e foi no buraco onde me escondera que abri a revista "Veja" daquela semana e me deparei com um anúncio de página inteira: "A crase não foi feita para humilhar ninguém. Computadores IBM". Era demais. Senti-me mais que nunca explorado pelo imperialismo americano.
Nos últimos anos, talvez porque esqueceram a frase, os equívocos cessaram. Já estava tranquilo, certo de que finalmente me tornara autor do aforismo, quando, faz uns três domingos, surge um artigo em "O Globo" afirmando que "Carlos Drummond escreveu: 'A crase não foi feita para humilhar ninguém'". Minha esperança é que, no futuro, alguém mal informado atribua a mim, ainda que por equívoco, a autoria do aforismo que é meu.


sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Mestre Graciliano



É sabido de muitos (as) que Graciliano Ramos proibiu que o Hino de Alagoas fosse cantado nas escolas públicas de todo o Estado de Alagoas, no ano de 1933. Ele era Diretor da Instrução Pública, que equivale, hoje, a secretário de educação. O Mestre Graça chamou o hino uma “estupidez de solecismos”. – Solecismos são falhas burras na confecção de um texto. – E o Hino de Alagoas é, de fato, estupidez ao quadrado. – Com essa medida radical, ELE desagradou a gregos, troianos e alagoanos. – Estes, acusaram o Mestre de impatriótico. – Graciliano não se perturbou nem um pouquinho. E respondeu pela imprensa: - “Tenho horror aos patriotas, aos hinos e aos toques de corneta. Sem dúvida, essas coisas são indispensáveis, por enquanto. – Mas isso não me leva a gostar delas. Porque são horríveis.” – 2. De fato, eu conheço o Hino de Alagoas e sei que ele é horroroso, de cima a baixo. – E aquela birra de Graciliano com hinos já vinha de longe. – Em fevereiro de 1921 ele publicou artigo em jornais, nestes termos: “Hinos são festivais de patriotadas de fazer cair o queixo. São palavras bojudas, infladas de palavrões difíceis; cabeludas, incompreensíveis. – As patriotices rimadas são a causa das enxaquecas de muita gente que tem ouvidos para ouvi-las. Mas não tem estômago suficientemente forte para digeri-las.” – 3. ¡Solamente por hoy! /.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Bater panelas





Por quem as panelas batem
16/8/2015 

Temos toda a razão de bater panelas quando a presidente aparece na TV dizendo que a culpa por nossa pindaíba é da crise internacional. Mas por que não batemos panelas quando Eduardo Cunha, o líder dos "black blocs" brasileiros, vândalo que faz política com pedras, bombas e coquetéis molotov, vai em rede nacional dizer que trabalha "para o povo", "sempre atento à governabilidade do país"?
Temos toda a razão de bater panelas contra a corrupção da Petrobras. Mas por que não batemos panelas contra o mensalão mineiro ou o cartel do metrô paulistano? Por que não batemos panelas contra a compra de votos para a reeleição do FHC? Por acaso pagar apoio na Câmara é mais grave do que pagar emenda na Constituição?
Temos toda a razão de bater panelas contra o retrocesso econômico de 2015. Mas como podemos não bater panelas contra o anel de pobreza que desde sempre engloba as metrópoles brasileiras, essa Faixa de Gaza de tijolo aparente, essa Cabul de laje batida onde se amontoa boa parte da população?
Temos toda a razão de bater panelas quando o governo se cala diante dos descalabros venezuelanos e da ditadura cubana. Mas por que não batemos panelas diante do fato de nosso principal parceiro comercial ser a China, maior ditadura do planeta? O tofu que alimenta aquela tirania é feito com a nossa soja e os fazendeiros, ruralistas e empresários que acusam a "venezualização" do Brasil são os mesmos que lucram com o dinheiro comunista. Ninguém bate woks por causa disso?
Temos toda a razão de bater panelas contra o estelionato eleitoral do PT. Mas por que não batemos panelas contra o estelionato eleitoral do PSDB, que elege repetidamente um governador tipo "gerente", prometendo "e-fi-ci-ên-ci-a" em cada sílaba, mas coloca São Paulo à beira do co-lap-so-hí-dri-co"? Um cristão cuja polícia, não raro, participa de grupos de extermínio, na periferia. Esta semana, foram 18 chacinados em Osasco e Barueri. Imagina se fosse no Iguatemi? E o estelionato das UPPs, no Rio, que prometem paz, mas torturam um cidadão até a morte e somem com o corpo?
"Não, não, isso não! Mata-me, mas não faz isso comigo!", gritava o Amarildo, segundo um policial que testemunhou a barbárie, dentro de um contêiner. Como pode a nossa maior preocupação em relação ao Rio, hoje, ser com a qualidade das águas para as Olimpíadas de 2016? Cadê o Amarildo? Cadê as panelas?
Temos toda a razão de sair pra rua, neste domingo, para protestar contra a incompetência, a corrupção e a burrice do governo. Mas por que não sair pra rua para protestar contra a incompetência, a corrupção e a burrice do país como um todo? Um país que mata seus jovens, sonega impostos, polui, compra carteira de motorista, licença ambiental, alvará, dirige pelo acostamento, estupra, espanca e esfaqueia mulher (mas retira a discussão de gênero do currículo escolar), um país onde os negros correspondem a 15% dos alunos universitários e a 67% da população carcerária.
Este ódio cego, esta parcialidade hipócrita, este bombardeio cirúrgico que pretende eliminar o PT – e só o PT– para "libertar o Brasil", empoderando Renan Calheiros e Eduardo Cunha, não é o desabrochar da consciência cívica, é mais um fruto da nossa incompetência, mais uma vitória da corrupção; palmas para a nossa burrice.