terça-feira, 25 de dezembro de 2012


Homero e Helena – Na hora H


Homero na mesa oito. – Helena na mesa 12.

Homero enfim está de volta. – Helena não está à espera.

Homero saiu e ganhou o mundo. – Helena nunca arredou pé.

Homero guarda as cartas todas. – Helena jogou todas fora.

Homero pode explicar tudo. – Helena não quer saber nada.

Homero só pede um minuto. – Para Helena, agora é tarde.

Homero olha para ela. – Helena finge que não vê.

Homero acende um cigarro. – Helena odeia fumaça.

Homero atende o celular. – Helena retoca a maquiagem.

Para Homero, ela ficou bem de óculos. – Para Helena, ele anda malvestido.

Homero pensa: duas décadas. – Helena acha que foi ontem.

Homero é reticente: Peixes. – Helena é incisiva: Áries.

Homero acena a um velho amigo. – Helena puxa a cinta-liga.

Homero chama outro uísque. – Helena mexe o dry Martini.

Homero se lembra do dia em que a viu pela primeira vez. – Helena não se esquece do dia em que tudo terminou.

Homero não mais na bolsa dela. - Helena continua na carteira dele.

Homero ganhou 12 quilos. – Helena ganhou 21 estrias.

Homero se rói de aflição. – Helena não move uma palha.

Homero tem seu telefone. – Helena não vai atender.

Homero, cheio de apetite. – Helena, pronta a vomitar.

Arrependido, ele só teve uma outra. – Pra ir à forra, ela teve quantos quis.

Homero quer dizer a Helena que promete se emendar. – Helena jura que a emenda será pior que o soneto.

Homero está muito abatido. – Helena está a fim de abater.

Homero anda atrás de um norte. – Helena quer desnortear.

Homero insinua. – Helena deixa claro.

Homero almeja. – Helena se esquiva. / Homero, vassalo. – Helena, senhora. / Homero acata. – Helena ataca.

Homero contém. – Helena extrapola. – Homero quer deleite. / Helena, deletá-lo. / Homero ata. – Helena desata.

Homero gagueja. – Helena triunfa. / Homero, a Sonata Patética. – Helena, Carminha Burana. / Homero jaz. – Helena, jazz.

Homero, peteca. – Helena, squash. / Por ele, os dois votariam no tempo. – Por ela, seria tempo perdido.

Homero, o sonho. – Helena, o ato. / Homero, o ninho. – Helena, a arribação.

Homero sem ação, sem noção, sem tábua de salvação que o remova do embaraço. – Helena segura, liberta, com alta há muitos anos do analista.

Homero se sentindo adoecer. – Helena quer que doa a quem doer.

Homero pulsa. – Helena o repulsa. / Homero pede paz. – Helena, em pé de guerra.

Homero recorda seus seios. – Helena anseia vingança.

Vacilante, Homero caminha até ela. – Altiva, Helena olha com desdém.

Homero a tira pra dançar. – Helena atira pra matar.



(FONTE: - Marcelo Sguassábia – Correio Popular – Campinas. / Jornalzen – Campinas / O Município – São João da Boa Vista.)

domingo, 15 de julho de 2012




Criminosos cruéis

José Fernandes Costa

Há pouco mais de um mês, escrevi sobre um crime bárbaro ocorrido nos anos 1980. - Título:Loucos ou doentes?”. Naquela ocasião, tratei do assassinato da família de Mário Valente, na Vila Santa Catarina – Zona Sul da cidade de São Paulo, levado a efeito em 6.1.1985. – Aquela barbárie se deu pelas mãos de Roberto Peukert, então com 18 anos de idade, filho mais velho do casal Mário Agostinho Valente e Karin Klaudia Peukert.

Nesses 27 anos após aquele massacre, patrocinado por Roberto Peukert Valente, que trucidou pai, mãe, irmã e irmãos, já se seguiram inúmeros homicídios, com requintes de extrema crueldade. – Nos últimos dias, tem sido moda matar, esquartejar e ensacar pedaços dos corpos etc. – Seguindo essa linha, no mês de maio p. passado, vimos a perversidade estampada na morte de Mário Kitano Matsunaga, perpetrada pela esposa deste, Elize Ramos Matsunaga, também em São Paulo.

E no dia 23 de junho recém-findo, no município de Jaboatão – PE deu-se o dilaceramento do corpo de Mirtes Juliana, professora naquele município, que foi morta, absurdamente, pelo garçom Luís Antônio, seu macabro companheiro até então.

Em tais casos, sempre há bens materiais, que serão objeto de partilha. – Mário Matsunaga era dono de fortuna. – Os Perkerts tinham poucos bens. Eram família de classe mediana, em São Paulo. – Mirtes Juliana era pobre, mas tinha uma casa e um carrinho, comprados com o dinheiro dela. – Vale notar que as nossas leis excluem esses criminosos da sucessão na herança, por se haverem tornado indignos. – Os descendestes dos infelizes autores, se houver, concorrerão, como se mortos estivessem os ascendentes criminosos.

Notem: preso no mesmo dia do horrendo crime, Roberto Agostinho Peukert Valente, o criminoso de quem ora volto a falar, perguntou duas vezes ao delegado se teria direito à herança dos bens da família, que ele assassinou, horas antes, com calculada perversidade. E, naquele dia, Roberto alimentou-se e dormiu normalmente, como se nada houvesse acontecido.

Feitas essas considerações, vejamos parte da situação de Roberto Peukert, desde a época da condenação até pouco tempo atrás. – Atentemos para a aplicação da pena e para o intrincado pecaminoso do nosso Sistema Penitenciário. Assim como para os descaminhos na personalidade de Roberto Peukert. – Em 1987, o juiz Nilton Vieira de Melo o condenou a 25 anos de reclusão. Mas, entendendo que o criminoso, mesmo tendo consciência do crime, não tinha poder de se autocontrolar, por possuir distúrbios de personalidade, o magistrado substituiu a pena, transformando-a em tratamento em hospital de custódia. – Foi o delinquente, então, considerado semi-imputável. – Tudo com base no Código Penal e na Lei de Execução Penal – Lei 7.210, de 11.07.1984.  Isto é, o juiz fez a substituição da penalidade, de acordo com os dispositivos de leis pertinentes.

A partir daí , o apenado passou pela antiga Casa de Detenção (SP) e pela Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté (esta com regime muito rígido). Dali, Peukert foi transferido para o hospital de Franco da Rocha (SP) – Unidade 1, onde vigora o regime fechado. Em 2008 aquele homicida foi mandado para a Unidade 2, do mesmo manicômio, em regime de desinternação progressiva. – Mas continuava ele sujeito a avaliações psiquiátricas e autorizações judiciais, para que fosse determinado como seriam as suas saídas da unidade de custódia.

Dispõe a lei acima (7.210) em seu art. 99: “O Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico destina-se aos inimputáveis e semi-imputáveis referidos no art. 26, parágrafo único, do Código Penal.” – E o parágrafo único do art. 26 do CP, assim se expressa: “... se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento...” etc.

O Código Penal (CP), quando trata dos semi-imputáveis, é taxativo. E assim preceitua: - “A pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, por prazo indeterminado, sendo o prazo mínimo de um a três anos. A internação perdura até que a perícia médica diga que cessou a periculosidade.” Tudo como prescrito nos arts. 26, 97 e 98 do próprio CP, assim como na conformidade da Lei 7.210, acima citada. E de outras leis complementares vigentes e respeitantes ao tema.

Destarte, usando a lógica de julgador, o magistrado entendeu que Roberto Peukert sabia que estava cometendo um crime. Mas, por outro lado, as perturbações mentais de que era portador, impediam que ele se autocontrolasse. Por isso mesmo, o juiz Nilton Melo o encaminhou para tratamento sob custódia. – Mas em função do desmantelo do nosso Sistema Prisional, assim também, por conta da personalidade distorcida do condenado, a sentença não deu os frutos desejados. O eminente julgador fez o que lhe cabia. E entregou o condenado ao Sistema Penitenciário. – Veremos, no próximo comentário, a sequência dos fatos atinentes ao comportamento de Roberto Peukert Valente, juntamente com os gestores corruptos do nosso Sistema Carcerário./.

13.7.2012

segunda-feira, 2 de julho de 2012



Acordo ortográfico  (2)


"Ser cronista é viver em voz alta."
Manoel Bandeira, poeta.


 O eminente jornalista Juracy Andrade chamou essa reforminha de reforma cacográfica. Eu prefiro chamá-la de reforma comercial, por envolver questões econômico-financeiras. Por ser mais acordão do que reforma. Acordinho ou acordão, ele é cheio de exceções e pendências. Tem de tudo pra desunir. E nada para unir. Pode-se dizer: vai do nada a lugar nenhum.

Dizem os sábios brasileiros que o produziram, que o novo Volp (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa) vai tirar todas as dúvidas. O novo Volp saiu, mas as dúvidas vão continuar do mesmo jeitinho. Porque poucos têm acesso ao Volp. E os que a ele têm acesso, vão continuar com as mesmas dúvidas, que são muitas. Tantas quantas eram antes da reforminha. E um desses sábios, o professor Evanildo Bechara, já disse que é provável haver necessidade de nova edição do Volp no fim de 2012. Assim sendo, nesses quatro anos, haverá a reforma da reforma.

Se saiu uma edição agora para corrigir o que está muito turvo nesse acordo comercial, e tem de fazer outra tiragem ao término do tempo em que o infeliz acordo está sendo testado, então será a reforma do acordo político e financeiro. Pergunta-se: ao fim dos quatro anos o acordinho já não deveria passar a valer de vera? Se vai fazer-se revisão nisso tudo, implica reeditar todo o acervo das bibliotecas escolares: dicionários, manuais, gramáticas etc. Também nós consumidores outros, seremos chamados a comprar. Porque temos de estar atualizados. E haja ganho para os editores e demais comerciantes livreiros. 

No dia 25.2.2009, assisti a uma entrevista da profª Rosa Maria, na Rádio CBN, em defesa dessa reforma. Segundo o radialista Aldo Vilela, Rosa Maria é professora de Lingüística, na Fafire. Mas ela foi muito simplista na sua análise e pecou pelo otimismo intempestivo, afora alguns tropeços.

Rosa demonstrou pouco conhecimento da matéria, o que é estranho. E se é professora de Lingüística, em cursos de graduação, motiva mais estranheza. Porque são os lingüistas quem mais condenam os gramáticos. E esse acordinho foi feito pelos gramáticos.

Eis algumas das contradições da professora Rosa: disse que minissaia não precisa mais de hífen e terá o S dobrado. Ora, minissaia, minissérie, minifralda, miniespaço etc., nunca precisaram de hífen. Agora, pelo acordo que aí está, esses comparativos mini- e maxi- vão ter hífen, nas palavras iniciadas pela vogal i: mini-instituição, maxi-inflação por exemplo. Antes era miniinstituição e maxiinflação, assim como antiibérico, antiinflacionário, antiinflamatório, que a partir de agora vão ganhar direito ao hífen: anti-ibérico, anti-inflacionário, anti-inflamatório. Aí a prova de que esse acordo veio só pra confundir o que já era confuso (pra falar só do emprego do hífen!) Se Rosa houvesse usado os antepositivos ANTE- ou ANTI-, como exemplo, poderia ter sido menos incoerente.

E mais disse Rosa Maria: que o trema quase já não era usado! Esse bordão vem sendo repetido pelos defensores da minirreforma. Mas eu desconheço essa prática alegada, quer na imprensa, quer na literatura. Em livros, relatórios, teses, jornais, revistas, dissertações e em outros documentos da espécie, nunca vi o trema ser omitido quando necessário. Se alguém não o usasse, seria por ignorância e desconhecimento. Notem, por outro lado (aqui peço licença ao finado Carlos Lacerda!), que outra  professora, referida abaixo, disse que não havia regras para o emprego do hífen.

Vejamos: há duas semanas ouvi parte de uma entrevista com uma professora do Departamento de Letras da UFPE. Não houve tempo pra saber o nome dela. Mas ela falou bobagem também. Disse que antes não havia regras para o uso do hífen. E que agora há. Que história é essa de que não havia regras para o emprego do hífen? As pessoas é que não sabiam usar o hífen. E vão continuar sem saber. Porque, com esse acordo, a hifenização tornou-se infernização. Embaralhou tudo. O que era deixou de ser. O que não era passou a ser. Trocaram seis por meia dúzia e mais alguns complicadores.

Ante tamanha complicação, está explicado por que Rosa Maria saiu-se mal com o exemplo da minissaia. Aqui, lembro-me da canção popular, cantada por Elba Ramalho. A minissaia de Rosa é como a minissaia de Bastiana: "Tua saia Bastina, termina muito cedo / tua blusa Bastiana, começa muito tarde." O que não deixa de ser alvissareiro. Pois "facilita, pra correr na capoeira / e facilita, pra dançar na gafieira / e facilita, pra mandar pra lavadeira / pra passar no ribeirão / e pra subir no caminhão. - Assim é a minissaia de Rosa Maria.

E é o Volp quem vai resolver tudo? Como? Já falei da grande maioria do povo que nunca ouviu falar no Volp. Muitos e muitos dos que escrevem, também não conhecem o Volp, ou mesmo, dele nunca ouviram falar. Pra começo de conversa, ele custa em torno de R$120,00. E quantos professores, com esses abundantes salários vão querer desembolsar essa quantia para adquiri-lo? E os outros livros mais necessários?

Sugiro que Rosa Maria, juntamente com a professora da UFPE façam uma enquete no meio acadêmico. Incluam professores e alunos de graduação em Letras, Pedagogia e outros cursos afins. E constatem quantos dos pesquisados conhecem o Volp e quem o tem em casa! E quantos se dispõem a comprá-lo.

Esse bla-bla-blá de unificação é história fiada. Sabemos que o castellano, que é o idioma oficial da Espanha, passou por uma única reforma durante toda a sua existência. Não obstante, dentro da Espanha haver mais três idiomas co-oficiais: o gallego, falado na Região da Galicia. O catalán, empregado em toda a Cataluña, cuja capital é Barcelona, segunda mais importante cidade da Espanha. O catalán também é falado nas Ilhas Baleares; e por fim, o bascuense ou euskera, falado na Região basca, incluindo Navarra. 

Nem por isso um livro editado em Barcelona, na Galícia ou em Valladoli deixa de ser lido em Madrid, Lisboa ou em São Paulo. Além da Espanha, fala-se espanhol em toda a América do Sul, com exceção do Brasil. Ainda, na América Central, Caribe e no México (América do Norte.)

Mas nós somos campeões em reformas gramaticais. Lembram-se de quando escrevíamos amàvelmente, com esse acento grave, só porque o adjetivo amável tem acento? O acento grave era só pra lembrar que amável tem acento agudo. Não é engraçada essa brincadeira dos gramáticos. Depois fizeram uma reforma para tirar o acento de amàvelmente, amigàvelmente e outras quinquilharias.

Livros de autores de língua espanhola, traduzidos ou não, são lidos no Brasil, em Portugal e em outros países de diferentes idiomas. Sejam de autores latino-americanos, como Gabriel García Márquez, sejam de espanhóis, como Federico García Lorca, Miguel de Cervantes, ou do argentino Jorge Luís Borges e muitos outros.

Na minúscula Bélgica, o idioma oficial é o francês. Mas, no Norte da Bélgica o idioma é neerlandês, com as variações do flamengo. E, na Universidade de Louvain, quase todos, se não todos os cursos de mestrado e doutorado são ministrados em inglês. Conquanto exista na Bélgica, correntes separatistas, para preservar suas culturas. 

No Canadá, o inglês e o francês são línguas oficiais admitidas em todoas as esferas de governo, a partir de 1969. Ambas são usadas no parlamento livremente. Esse processo tornou o Canadá, nação biliíngüe e multicultural. As províncias canadenses são livres para escolher seu idioma.

Se tantos países mundo afora, convivem com mais de um idioma em seus pequenos territórios, por que essa ilusão de que se vai unificar a escrita em oito países de língua portuguesa? Só o Brasil tem 8.500.000Km2, com diferentes falas e sotaques! E os demais países? Ainda mais quando se trata de briga de esconde-esconde: Portugal quer uma coisa, Brasil quer outra. E os países africanos que falam o português, ficam no meio do tiroteio. É muita pretensão!

Vale ressaltar que na América latina e Caribe, existem algumas variações no falar, com relação ao castellano da Espanha. Mas são mínimas. Em Madrid se diz: Me voy a coger un táxi. Em Buenos Ayres, coger un táxi é chulo. Vira galhofa para o estrangeiro que o disser. Em Buenos Aires, se toma un táxi, un autobus, un microbus etc. Coger, na Argentina, equivale ao nosso chulo comer. Para os argentinos, é difícil comer um ônibus. Pra nós, também.

Rosa Maria disse, também, que só algumas palavras vão manter o hífen. Então, segue esta amostra, para que se julgue se são algumas: má-fé, boa-fé, bom-dia, boa-tarde, boa-noite, xeque-mate, tira-teima, bate-boca, amor-perfeito, beija-flor, decreto-lei, médico-cirurgião, guarda-noturno, alto-falante, segunda-feira, sexta-feira, finca-pé, conta-gotas, sul-coreano, norte-riograndense, pão-duro, marrom-glacê, econômico-financeiro, verde-oliva, azul-marinho, ex-reitor; vice-diretor, ibero-americano, ex-detento, anglo-americano, pró-juventude, austro-húngaro, luso-brasileiro, euro-asiático, sino-japonês, bla-bla-blá, diretor-presidente, toque-toque, tique-taque, lenga-lenga, bem-vindo, pré-nupcial, pré-menstrual, pró-reitor, pós-operatório, tenente-coronel, recém-chegado, recém-nascido, sem-vergonha, sem-terra, latino-americano, milho-verde, batata-doce etc. etc. É uma amostra bem pequenina.

Aqui, uma perguntinha para os meus quatro ou cinco leitores: por que paraquedas perdeu o hífen, e para-choque, para-raios, para-lamas o mantiveram? Estes, só perderam o direito ao acento diferencial. O texto do acordo é por demais confuso e fala em perder a noção de composição. - Quem foi que perdeu a noção de composição? Fui eu, foi o pára-quedas ou foram os velhinhos da ABL. Pois esses sábios da ABL também enrolaram e nada responderam. Falaram em subjetividade e outras loas. E nisso ficou. E o que é que é subjetivo nessa história? Porque, se pára-quedas é subjetivo, pára-lama também o é. Ainda tenho quase quatro anos para acentuar pára-quedas.

Esse acordo é cria dos acadêmicos da ABL e dos de sua congênere de Portugal. No texto do acordo, afirma-se que o prefixo co não se liga por hífen a palavra nenhuma. Nem mesmo às palavras iniciadas pela vogal o e h (uma das regras do acordo). Exemplo: cooficial, coerdeiro.  Mas a página da ABL na internet, passados cinco meses do início da vigência dessa reforma atrapalhada, ainda está desatualizada. Lá está escrito: Co-edições ABL. E há outro emprego esdrúxulo: 17h30min (!) Para que esse min? Daqui a pouco estão escrevendo horas com os intragáveis dois pontinhos: hora de videocassete, dos gringos. - Casa de ferreiro, espeto de pau.

Outro acadêmico da ABL, o senhor Arnaldo Niskier, diz, em artigo, que "o acordo simplifica". Simplifica o quê? Não disse. E critica o escritor português, Vasco Graça Moura, que é inteiramente contra o acordo. Niskier fala com desdém, quando se refere ao pensamento de Graça Moura, por este se mostrar preocupado com o destino dos professores. E por dizer, entre outras coisas, "que o gasto com livros e manuais escolares, pode provocar uma crise negra, que deitaria ao lixo muitos milhões de euros."

Mas isso é pura verdade. O fato é que o mestre Niskier, em seu artigo, prefere falar em mercado editorial e lucro de empresas livreiras. Assim, Niskier está confirmando a minha tese de que o acordo é tipicamente comercial. Se fosse para simplificar, teria abolido o hífen, como fez com o trema. Ao contrário, fez o samba do hífen doido, para endoidar os pobres mortais.

A ilustríssima professora de língua portuguesa, Dad Squarisi, costuma dizer que o hífen é castigo de Deus. E que se perguntarmos ao Criador, sobre as manhas do hífen, talvez nem ele saiba responder. E o professor Napoleão Mendes de Almeida sustenta que há abuso no excessivo emprego desse minúsculo traço.

Outra: pé de moleque, expressão ligada por preposição, não tem hífen. Mas cana-de-açúcar, porco-da-índia, canário-da-terra, ipê-do-cerrado, João-de-barro, e tantos outros termos ligados por preposições e conjunções também têm. Isso está nas exceções. O Volp é só vocalário ortográfico. E não vai explicar toda essa salada à base de óleo de rícino, que descambou nesse acordo. Portanto, não é o Volp que vai resolver tudo. Temos de queimar as pestanas nos novos manuais e nas novas gramáticas.

E como saber quem é e quem não é? Aí é que a vaca tosse e a porca torce o rabo. Vai ao Volp, você também. Toda vez que for escrever uma palavra que crie dúvida, procura o Volp. Vai fazer um concurso, seja lá qual for, leva o Volp debaixo do braço. Porque, para todos os casos, há uma regra. Não é só encher uma bisaca de hífen, e sair distribuindo adoidadamente, não. É regra demais e TPM demais pra esse povão todo.//.

José Fernandes Costa - Recife  jfc1937@yahoo.com.br






Erros, defeitos, virtudes

José Fernandes Costa

            Numa revista de pequena circulação, anotei, dentre outras, a seguinte oração, atribuída a uma criança que se dirigia a seus pais, nestes termos: - “Não se mostrem para mim como pessoas perfeitas e infalíveis. Ficarei extremamente chocado (a) quando descobrir os erros de vocês”. – Essa sentença enfeixa forte dose de realidade, além de conter bastantes ensinamentos.

Porquanto, muitos pais se julgam donos de todas as verdades e de todas as virtudes. Não reconhecem seus erros, tampouco admitem discuti-los. Também não aceitam debater pontos de vista porque, nem sequer, entendem que possam cometer enganos. Contudo, os filhos descobrirão, em pouco tempo, não só uma, mas centenas de meias verdades e inúmeras contradições, se elas existirem. A esses pais falta um traço fundamental da personalidade humana, qual seja: a humildade. Essa incapacidade de reconhecer os defeitos diante dos filhos faz com que muitos pais tropecem nos próprios fracassos. E só muito adiante se advirtam disso, quando poderá ser muito tarde.

         Humildade é qualidade que se completa com firmeza. E a falta de humildade é medo de não ter autoridade. – Autoridade é condição básica para quem cria e educa. Mas ela deve ser exercida com bondade, firmeza, serenidade e tom de voz que não amedronte nem humilhe. – Existem pais que nunca pediram desculpas a um filho, nem retiraram uma vírgula de um “sermão” desastrado e agressivo, somente porque sempre temeram perder a autoridade; talvez porque nunca tiveram autoridade verdadeira. Isto é, autoridade respeitosa. – Ou, ainda, por imaginarem ser humilhação admitir erros.

Quem assim age, deixa escapar boa oportunidade de ser pai na sua plenitude. Pai para todas as horas, prestigiados e admirados pelos filhos. Quando passa o calor das discórdias, muitos desses pais até se dão conta dos inúmeros erros e se arrependem de grosserias cometidas. Mesmo assim, preferem sofrer calados - e alguns sofrem de verdade - a terem de dar o braço a torcer diante de um filho.

         No entanto, não são somente os desencontros de opiniões que afetam as relações pais e filhos. Há, também, os desvios de comportamento e os defeitos morais, que são muito mais graves. E que se procura esconder a todo custo e por todo o tempo, mas que, um dia, serão descobertos. E é na hora da descoberta de tais defeitos que os filhos ficam extremamente chocados, com a dúbia e dupla moral - faça o que eu mando, mas não faça o que eu faço -, daqueles que têm o sagrado dever de servirem de exemplos e modelos para seus filhos.

         Por tudo isso, é muito bom os pais guardarem na lembrança que seus filhos crescerão e terão boa memória. E saibam que as imagens, negativas ou positivas, depositadas na mente deles nos primeiros anos de vida, ficarão gravadas no subconsciente para sempre./.


Ambiguidades & Cia.


"Saber escrever a própria língua faz parte dos deveres cívicos.
"A língua é a mais viva expressão da nacionalidade."

(Napoleão Mendes de Almeida.)

Não sei se por falta de assunto ou não. Mas sei que voltei a este assunto: língua portuguesa. - Ambíguo, entre outras coisas, é o que comporta mais de uma interpretação. Na fala ou na escrita, é aquilo que não fica claro. E pode dar confusão mental, quando pinta ambiguidade.
Michel de Montaigne ensinou esta lição, há mais de 400 anos: "A frase tem três virtudes. A primeira: clareza. A segunda: clareza. A terceira: clareza". Nada mudou até os nossos dias. Pelo contrário, com a velocidade das comunicações, a clareza no texto ganhou mais importância. Ela se impõe como a grande qualidade do texto. Porque nós escrevemos para ser entendidos. Daí o esforço que fazemos para chegar lá. Isto é, para nos fazer entender.
Os pronomes possessivos de terceira pessoa, seu e sua parecem-nos inofensivos. Mas podem causar estragos, tornando o enunciado ambíguo. Assim, muitas vezes, eles sobram no texto. Vamos a alguns exemplos:
"A personal trainer da cantora Madonna revela os segredos de sua forma." Essa chamada está na capa da revista Veja de 19.11.2008. Pergunta-se: os segredos da forma de quem? Nem no texto isso é explicado. Tanto pode ser da preparadora física, quanto da artista. Eis uma das tantas dos possessivos seu, sua, causadores de muitas ambiguidades. Porque, no exemplo acima, sua forma, pode referir-se a uma ou à outra. Escreva-se desta maneira e adeus sentido ambíguo: "A personal trainer de Madonna revela os segredos da forma da cantora".
Outra: "O subprocurador encontrou-se com a senadora Roseana Sarney no aeroporto de Brasília. Durante o encontro, ele chegou a ensinar Roseana a utilizar alguns recursos do seu celular."
De quem é o celular? De Roseana ou do subprocurador? Para ser claro, o repórter tem opções. Poderia escrever: alguns recursos do celular dele. Ou dela. Tirando o possessivo seu, e as contrações dele e dela, seriam recursos de qualquer celular. De qualquer fabricante. E estaria claro.
Mais outra frase ambígua e longa: "Adriana Barreto lembrou que, no telefone, Plácido se referia ao senador em termos cabeludos e impublicáveis - e que, mais tarde, ACM se queixaria a sua mãe pelas palavras grosseiras do namorado." (Revista ÉPOCA, 24.2.2003 pág. 34.)
Vejamos: ACM se queixou à mãe de quem? Do próprio ACM ou de Adriana? E de quem é o namorado? Poderia ser namorado do próprio ACM, da mãe que ouviu a queixa; ou de Adriana. Ainda pode ser de outra pessoa!
Outra ainda: "Roberto reivindicou a Jarbas uma secretaria para acomodar seu filho, Carlos, que pretende fazer seu herdeiro político, mas o governador não atendeu". - (Coluna Pinga-Fogo - Jornal do Commercio - Recife, 13.02 2003).

Quem pretende fazer o herdeiro político. E de quem será o herdeiro? E Carlos é filho de quem? De Jarbas ou de Roberto? Mais uma causada pelo emprego do possessivo. Não precisamos reinventar a roda. Mas pode-se dar um jeito nessa barafunda, assim: "Roberto reivindicou a Jarbas uma secretaria para acomodar Carlos, filho do próprio Roberto e futuro herdeiro político do pai. Mas Jarbas não atendeu".
Agora, deixemos os possessivos pra lá, e vamos em frente com esta outra manchete do Jornal do Commercio de Recife: "Lula vai receber prêmio pela paz da Unesco." Ora, por que Lula merece ser premiado só porque a Unesco está em paz? - Parece-nos que a manchete quis dizer isto: "Lula vai receber da Unesco, prêmio pela paz."

A imprensa está cheia de ambiguidades. Com uma vírgula ou simples jogo de palavras, isso pode ser evitado. Duas frases em matéria jornalística servem de ilustração. Ao comentar a prisão de Suzane Richthofen, o jornal soltou esta: “Os longos cabelos, usados após a prisão para esconder o rosto dos fotógrafos e cinegrafistas, estavam divididos em duas tranças”. Enfim, os cabelos escondiam o rosto de quem? Dos fotógrafos e cinegrafistas ou da moça? Portanto, o período poderia ser escrito de várias formas. Fiquemos com esta: “Os longos cabelos de Suzane, que esta usou para esconder o próprio rosto, de fotógrafos e cinegrafistas, estavam divididos em duas tranças”.
Vamos à outra sentença bastante ambígua: “No Dia das Mães deste ano, Suzane teve uma forte discussão com os pais e levou um tapa na cara de Manfred”. Primeiro: a oração dá a entender que o Dia das Mães é só deste ano – e não das mães de todos os anos. Mas o dia é das mães de todos os anos e de todos os dias. Deste ano, dos anos passados e dos vindouros. Segundo: de quem é a cara que levou um tapa? De Manfred ou de Suzane? Vamos escrever de outro modo: - “Este ano, no Dia das Mães, Suzane teve forte discussão com os pais e levou um tapa na cara, dado por Manfred”.
De outra feita, falando na Rádio CBN, o cantor Moacyr Franco produziu esta frase: “Eu já gravei muita coisa mal”. Ficamos sem saber se Franco apenas quis pôr o advérbio no fim da frase ou se pretendia usar o adjetivo mau, ruim. Criou ambiguidade. Querendo Franco dizer que já gravou mal muita coisa, a frase está correta. Mas, se a intenção do cantor era dizer que já gravou muita coisa ruim, má, ordinária, aí ele tropeçou nestas duas palavrinhas que atrapalham muita gente: mal e mau. Mal é o contrário de bem. É advérbio e não varia.
Exemplos: “Às vezes eu gravo bem; outras vezes, gravo mal. E já gravei mal muitas coisas”. “Mulheres mal-amadas são ou foram vítimas de homens mal-educados e malcriados. Enfim foram vítimas de homens de maus bofes”. (*). Ver notas no rodapé.
Por outro lado, mau é antônimo de bom e sinônimo de ruim, perverso. “Essa comida é de mau tempero. O Lucas é um homem mau”. Mau, ruim são adjetivos e variam de acordo com o substantivo. “Esse restaurante serve má comida. Algumas pessoas são más. Homens maus praticam ações más. Manoel amanheceu de mau humor. Seus humores hoje estão maus”. Aqui, uma explicação: Podemos estar de mau humor ou mal-humorados (*).
Portanto, falando ou escrevendo, tenha-se sempre o cuidado pra não gerar ambiguidades. Do modo em que a frase foi posta por Moacyr Franco, criou-se ligeira confusão, quem sabe, erro mesmo, coisa que devemos evitar. Porque ouvintes e leitores precisam saber o que ouvem ou leem. É preciso clareza. E quando escrevemos, o cuidado deve ser redobrado.
Vejam esta, ainda: "A ONU está à procura de um técnico para ocupar o cargo de diretor daquele centro de estudos sobre a pobreza que vai instalar no Rio". (Ancelmo Gois / Jornal do Commercio - Recife).
- E vão instalar mais pobreza no Rio? Já são tantos os pobres que habitam o Rio de Janeiro! Para derrubar o sentido ambíguo, escreva-se assim: "A ONU está à procura de um técnico para ocupar o cargo de diretor do centro de estudos sobre a pobreza, a ser instalado no Rio".

Sabemos que a imprensa tem pressa pra botar o seu bloco na rua. E que os seus agentes nem sempre são bem preparados. Portanto, não nos guiemos por ela, porque poderemos dar com os burros n'água. Nem só em assuntos de língua portuguesa. Noutros também.

N O T A S: - Mal e mau, muitas e muitas vezes funcionam como substantivo e como adjetivo: “O mau está sempre na tocaia {o elemento mau})”. “O mal por si se destrói {qualquer coisa má}).” “O mal (epidemia) se alastrou por toda parte”. “Os maus (adjetivo) políticos furtam todo o dinheiro do povo”. “Maus (adjetivo) pensamentos rondam a cabeça de muita gente”. – E mal pode ser até conjunção: “Mal chegaram, tiveram de partir” (= logo que, tão logo, apenas.)


O Correio Braziliense escreveu esta frase, no dia 1º.9.2009: "Quem apostou no Francenildo se deu mau". Dá pra perceber que trocaram seis por 106. Porque o certo é que se deu mal quem apostou no caseiro Francenildo.


Antes do acordão, o advérbio mal se ligava por hífen às palavras seguidas de vogal ou h (regra geral). Mal-amado, mal-assombrado, mal-educado, malcriado, malcomido, mal-humorado etc. Com o acordo, que chamaram de reforma, mudou tudo. Todavia, não esqueçam que, mesmo após o acordinho, o termo mal-estar se mantém com hífen: "Ele teve um pequeno mal-estar". E tem mais: antes do acordão, malmequer, era como está aí, tudo pegadinho. Agora, passou a ser mal-me-quer. Por quê? Deixemos na interrogação! É isso./.


José Fernandes Costa - jfc1937@yahoo.com.br




Anonimato na internet – II

José Fernandes Costa

Em princípios de agosto corrente, escrevi um texto sobre anonimato na internet. No dia 7.8 ele foi publicado no blog do Felipe Alapenha. E, em seguida, publicado na PÁGINA de Bom Conselho – Academia P. de Lara.

Como o Zé Carlos Cordeiro já vinha escrevendo uma séria de textos a respeito do tal assunto, resolvi avisá-lo daquela publicação no blog do Felipe. O Zé Carlos respondeu-me dizendo que já o havia visto e repercutido no “Deu nos blogs”, na Gazeta Digital.

Não costumo ler os textos que saem na Gazeta Digital, porque são muito longos e cheios de transcrições de artigos de jornalistas etc. Pelo mesmo motivo, não lia quase nada do que era publicado no blog da finada CIT. Posto que, para ver o que os jornalistas escrevem, costumo ler alguns periódicos onde uns poucos deles costumam escrever. E desde que as matérias me interessem.

É bom que se lembrem: estamos no Século XXI, com todos os benefícios e malefícios do “progresso” a galope. E, em que pesem os avanços das ciências, os nossos dias continuam tendo as mesmas 24 horas que tiveram em todos os séculos anteriores a este.

 Portanto, não li os textos do Zé Carlos Cordeiro, salvo o que foi escrito no dia 10 deste mês, logo após a publicação do meu texto. Curiosidade muito natural.

O Zé Carlos termina aquelas bem traçadas linhas, com esta frase: - “Aqueles que abrem (sic) suas penas para escrever que o anonimato é crime ou é um ato de covardia, ou estão agindo de má fé, ou nunca estudaram uma linha de direito (sic).”

Apesar de nunca ter dito que anonimato é crime, eu vesti a carapuça. Porque eu, na minha escrevinhação da qual falei logo acima, citei alguns artigos das nossas leis, no tocante ao assunto em tela. O que eu disse e digo é que anonimato é vedado pela nossa Constituição Federal (CF). E é um ato de muita covardia, SIM. É prática traiçoeira e abominável. – Ainda: quem me conhece sabe que NÃO uso de má fé com ninguém.

 E mais: sobre a última frase do Zé Carlos: eu até que estudei direito (modo de estudar). E também estudei Direito (ciência). Mas nunca disse a ninguém que entendo de Direito para discutir com o jurista José Carlos Cordeiro. – NUNCA. – Aproveito o ensejo e informo ao professor Zé Carlos que a Faculdade Maurício de Nassau está precisando de um mestre em Direito pra ministrar Hermenêutica Jurídica e Ética Jurídica. Basta que ele fale com o Janguiê Diniz e terá a vaga garantida. Assim, esse jurista recém-descoberto, em vez de dar aulas no blog da Gazeta, vai fazê-lo numa faculdade, ainda que esta não seja uma escola de renome.

E, a propósito de anonimato, passo para os leitores este desabafo da atriz Márcia Cabrita: - “Chico Buarque ficou surpreso por ser agredido na internet. Eu também. O lixo, o pior do ser humano está ali. Protegidos pelo anonimato, pessoas são cruéis e agressivas gratuitamente. Pergunto-me: o que faz uma pessoa entrar num site e se cadastrar falsamente só para vociferar seu ódio. É assustador! Estupidez sem argumentos. Já li coisas que parecem de autoria do maluco de Oslo. Fui esculhambada (sic) apenas por dar uma opinião. Sou a favor de uma discussão mais aberta sobre a legalização das drogas, apesar de não suportá-las. Só isso. Uma opinião.”

Para responder sobre a indagação da Márcia Cabrita, basta dizer que as pessoas fazem isso por má índole, maldade e certeza da impunidade. Uma vez que os nossos legisladores mais cínicos dizem que não se deve exigir que os provedores de internet sejam compelidos a passar as informações dos seus usuários aos órgãos do Estado, para subsidiar o andamento de um inquérito, quem nos garante que possa haver qualquer punição a esses canalhas?

Mais: o Zé Carlos diz que foi à internet e encontrou uma centena de constituições do Brasil, desde as mais desatualizadas etc. – Isso NÃO é verdade. O Brasil só tem a Constituição atual, publicada no Diário Oficial da União, nº 191-A, de 5 de outubro de 1988. – De 1824 para cá, o Brasil teve cinco constituições. E mais um arranjo feito nas coxas dos militares de plantão, em 1967, no interesse deles. Aquela “constituição” foi “aperfeiçoada”, com base nos lutuosos Atos Institucionais. Logo adiante, ela ganhou mais vigor mortífero por meio da insidiosa Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969. Contudo, esta NÃO tinha nada de emenda. Tinha todos os artigos de uma constituição. Como sabemos, as emendas constitucionais só fazem referência aos artigos alterados. – Então, além das cinco citadas, tivemos mais esses dois entulhos com todos os requintes autoritários. E haja chumbo!

Aquela “constituição” improvisada para torturar e matar tem data de 24.1.1967. E foi mãe da Lei de Imprensa – 5.250/67, de 9.2.1967 – e dos nefastos atos institucionais e atos complementares, que propiciaram a “emenda” nº 1/69. Esta era outra constituição tão autoritária, quanto as de outros ditadores latino-americanos. Mas tudo aquilo que foi engendrado pelos militares trogloditas, já virou cinzas. – Portanto, NÃO existe NENHUMA constituição desatualizada. Temos a atual, em vigor. As demais foram revogadas.

E vale a pergunta: pra que o Zé Carlos transcrever tantos artigos da Constituição, tentando provar que o anonimato é coisa boa? As coisas boas são expressam claramente. Não são feitas às escondidas!  E as atividades dos jornalistas são exercidas às claras. – Assim, basta a Constituição enunciar uma só vez que o anonimato é vedado. É tudo quanto basta! – O que ganha ênfase na nossa Carta de 1988 são os direitos e deveres dos cidadãos, ou seja: a dignidade da pessoa humana; o respeito às pessoas, a liberdade etc.

Quando a nossa lei maior foi promulgada, ainda não havia, ao menos no Brasil, a praga dos anônimos na internet. Assim, os legisladores constituintes não previram o surgimento dessa abominável prática de enxovalhar as pessoas que emitem simples opiniões a respeito de qualquer assunto. Mas cabe aos legisladores atuais fazerem algo para garantir aos ofendidos a possibilidade de reparar os danos sofridos. Assim também, ensejar a indenização pelas lesões morais e materiais que tenham sofrido as vítimas dos anônimos.

Pra que, ainda, o professor de Direito Constitucional, José Carlos Cordeiro, tentar misturar educação, cultura e meios de comunicações jornalísticas com anonimato? Jornalismo é coisa séria. E as empresas jornalísticas não admitem jornalistas anônimos. As fontes são preservadas pelas empresas, “resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício da profissão.” – E qual é a profissão do anônimo? Não sabendo o nome de um malfeitor, como saber qual a sua profissão? – Porém, essas fontes são resguardadas até que um juiz de Direito determine que a empresa apresente a fonte, desde que haja fundamentado motivo de quem pede ao juiz.

A súmula 221, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), assim se expressa: “São civilmente responsáveis pelo ressarcimento do dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito, quanto o proprietário do veículo de comunicação.”

E quanto aos danos perpetrados via internet? O caluniador é um anônimo cadastrado em algum provedor. Mas não há lei que obrigue o provedor a fornecer informações às autoridades policiais, nem ao Judiciário! – Essa é a zona da internet, que é uma verdadeira zona de lenocínio. E é ali, naquela zona cinzenta da internet, que ficam “o lixo, a estupidez, o pior do ser humano”. Substantivos estes tirados das palavras da Márcia Cabrita! A Márcia pode até ter exagerado, ao dizer “o pior do ser humano”. Se exagerou, NÃO tem culpa. Deve-se à emoção de quem foi vilipendiada. – No entanto, ao caracterizar como lixo, estupidez, eu assino embaixo das palavras dela.

E NÃO vejo NENHUM conflito de leis em face da configuração de anonimato na CF. Até porque, quando alguma lei ordinária se choca com a Constituição, tal lei é declarada inconstitucional. Todavia, se o professor Zé Carlos encontrou alguns artigos de lei que vão de encontro à CF, pode ele pedir ao STF que os declare inconstitucionais. Mas, para tanto, precisa de bons argumentos. – É ISSO./.



quarta-feira, 13 de junho de 2012


Nosso mundo de tragédias

José Fernandes Costa

Em texto recentemente publicado na Gazeta Digital de Bom Conselho, a amiga Maria Caliel de Siqueira fala a respeito de tragédias.  Aquilo me pareceu tema para reflexão, ao tempo em que pode revelar algumas dificuldades no dia a dia da autora. – Coisas que todos têm.

Mas o que seriam tragédias? – As guerras, os terremotos, maremotos, enfim, esses tormentos coletivos? Cremos que estes estão mais para catástrofes, calamidades etc. – Porém, afora os desastres coletivos, existem muitas tragédias particulares, isto é, no seio das famílias.

No início do ano de 2010, um jovem de 22 anos, Alcides Nascimento Lins, estudante de biomedicina, foi executado, fria e covardemente, por dois marginais que procuravam um sujeito pra matar. – E abordaram Alcides, vizinho do indivíduo procurado pelos ditos bandidos. Queriam pistas para localizar a sua caça. Como Alcides não sabia informar, foi abatido com dois tiros na testa. – Possivelmente, a motivação da procura ao vizinho de Alcides foi drogas.

Aquilo foi uma tragédia para Dª Maria Luiza e suas filhas. – Maria Luiza ex-catadora de lixo, mãe de Alcides, havia botado o filho e as filhas pra estudar em escolas públicas. Alcides fora classificado em 1º lugar, entre seus pares, no vestibular da UFPE, para ingressar em biomédicas. E estava sendo exemplo para os moradores da Vila Santa Luzia, na Torre – Recife, onde moravam. – Extinguiu-se uma vida; acabou-se um sonho.

Na sexta-feira, 1º de junho em curso, um adolescente de 17 anos, estudante aplicado, do ensino médio, foi igualmente executado impiedosamente por dois marginais que procuravam, para matar, o irmão daquele adolescente morto.  Conforme notícias da imprensa, o rapaz procurado fugiu ao ver seus possíveis algozes. Ele tem 16 anos e dizem que é envolvido com drogas ilícitas. – Assim, morreu seu irmão, inocentemente. – Isso caracteriza mais uma desgraça no âmbito de uma família e da comunidade.

Por força de circunstâncias, há alguns meses, eu venho participando de debates, que me fazem enxergar determinados problemas que recaem sobre diversas famílias. Com isso, pude notar, em pouco tempo, que tais desgraças são verdadeiras tragédias vividas por inúmeras famílias.
Refiro-me aos conflitos vividos por dependentes químicos, os quais atingem em cheio seus familiares e demais pessoas ao seu redor. – Longe de pensarmos que essa degradação só acontece nas periferias, onde a pobreza campeia.

Esses indivíduos, por razões as mais diversas, ingressam no consumo das drogas. – Sejam estas o álcool, a cocaína, o crack, a maconha etc. Como
agravante, ainda, há a associação de alguns desses entorpecentes pela mesma pessoa. –Todo esse processo tem causas atinentes à personalidade de cada um.

De outro modo, é voz corrente, na psicoterapia, que ninguém entra nas drogas pra se tornar dependente. – Todos (as) começam buscando divertimento, um pouco de prazer ou mera experiência que seria inconsequente. Os que experimentam se dizem seguros de que é só uma provada boba e nada mais. E Ainda: que só fumam ou cheiram enquanto quiserem. Que no dia que queiram, largam o experimento, que consideram coisa de otários etc.

Pura ilusão: o vício, aos poucos e rapidamente, passa a dominar o usuário, de forma assustadora. Acaba com quaisquer projetos de vida, quais sejam: família, estudo, trabalho, lazer, atividades esportivas e sociais etc. E o pior, vale repetir: além de destruir o viciado, destrói a família deste. Afasta seus ex-amigos e muito mais. – O sofrimento é terrível para todos os que tenham a desdita de se deparar com tamanho infortúnio. – E se alguém acha que o drogado não sofre, é percepção errônea. Porque este sofre e sofre muito.

Nos debates a que me reporto, os dependentes participam ao lado de suas famílias. Isto é, os que têm família e esta compreende a dependência como sendo doença. – E nessas reuniões tenho ouvido depoimentos os mais alarmantes possíveis, tanto dos usuários, quanto das famílias deles. – Ficamos estarrecidos com a força das drogas aniquilando pessoas inteiramente. – Força estranha que corrói as vítimas e reduz demasiadamente a capacidade de ação dos seus familiares! – Ali encontramos usuários com idade que varia entre 20 anos a 60 e poucos anos. Uns com mais de 20 ou 30 anos no uso das drogas. E outros que estão ainda começando. – Todos de classe média.

Como exemplo dos inúmeros depoimentos ouvidos, cito dois para ilustração: 1º - De um usuário de 48 anos: “Pedi a meu pai hoje pra pagar ao traficante. E ele me perguntou: ‘até quando isso vai durar, filho’? – Respondi: Não sei.” – 2º - De um pai: “Muitas vezes saí de casa às três horas da madrugada, para ir buscar esse rapaz dentro de uma favela, numa rodada de crack.”

Essa é uma realidade terrível, em que sofrem todos: esposas, filhos, pais e demais parentes próximos que vivem a tortura da incerteza, com respeito ao amanhã. – Porque essa doença, mesmo não sendo terminal, não tem cura definitiva. – Ninguém garante a recuperação definitiva do drogado.

Há, contudo, percentual pequeno de alguns que abraçaram o vício e, com tratamento continuado e bastante esforço, conseguem manter a abstenção, por anos e anos. – Mas a vigilância tem de ser constante. Assim como é constante a tentação da recaída. E isso dura enquanto tais vítimas vida tiverem. – Por consequência, elas têm de ser acompanhadas por psicoterapeutas e outros profissionais especializados, durante todo o resto de suas vidas. – Há os que chegam a passar dez ou mais anos em abstinência. Mas, quando menos se espera, vem o recaimento.

Não há esperança de cura definitiva. O que há é a expectativa angustiante da persistência do problema. É o desespero de quem viverá assustado pelo resto da vida. As famílias sofrem porque o seu ente querido está destruindo a própria vida e a vida de todos os seus. – E os planos de vida que habitavam o imaginário dessas pessoas, de hora para outra, quer de um, quer dos outros, vão por água abaixo.

Inevitavelmente o vício leva à morte. E os viciados têm ciência disso. – Então, que força tão estranha é essa que faz uma pessoa fazer aliança com a morte, renunciando aos bens da vida? – Pergunta sem resposta!

Enquanto esse infortúnio não chega às nossas portas (e Deus permita que nunca chegue), não fazemos ideia da dimensão desse flagelo. Considerando o alastramento desse enorme mal nas sociedades “modernas”, cada qual que peça a Deus para não se deparar com semelhante desastre. – Em consequência do consumo de drogas, os dependentes adquirem depressão profunda. E, a cada recaída, esse imenso sofrimento é multiplicado. – Mas a força desse terrível mal está sempre puxando essas vítimas para o fundo do poço. É o inferno aqui na terra. – É ISSO./.

domingo, 4 de março de 2012


Loucos ou doentes?

Há poucos dias, publiquei um texto de título “Agressividade humana”. Oportuno lembrar que, a cada dia, os homicídios inesperados aumentam. – Dias atrás, num condomínio aqui no bairro do Rosarinho, um jovem de 22 anos de idade tentou esfaquear a irmã. Esta procurou uma vizinha para se proteger. A vizinha a protegeu da morte. Então, o jovem enfurecido assassinou a vizinha de ambos.
Não satisfeito, o assassino invadiu o apartamento de um cidadão, no terceiro andar do mesmo prédio. Segundo dizem, o criminoso estava nu. O cidadão que teve a casa invadida estava com a mulher e filhas. Estas se trancaram em um quarto, num gesto de autodefesa. O dono da casa nem teve tempo de dialogar com o invasor. Ameaçado, atirou no peito dele e o matou.
Dias depois, foi a vez de um pastor anglicano e sua mulher. Foram vítimas da ira de um rapaz que fora adotado, como filho, por aquele casal. O tal homicida matou os dois. E tentou mutilar-se. A seguir, ficou custodiado num hospital, tratando-se dos leves ferimentos.
Esses dois episódios sangrentos trouxeram-me à mente um outro caso bárbaro que ocorreu no dia 6.1.1985: - Roberto Agostinho Peukert Valente, então com 18 anos, assassinou a mãe, o pai e três irmãos menores. Com tiros de revólver e golpes de facão, Roberto Peukert patrocinou tamanha atrocidade, com a tranquilidade de quem estivesse jogando cartas pra se distrair.
Terminado o massacre, o maldito garotão pôs os corpos no porta-malas de um dos carros da família. E foi deixá-los junto ao cemitério em Congonhas – Zona Sul de São Paulo, onde abandonou o veículo.
Lá ficaram os restos do pai dele, Mário Valente, 46 anos; da mãe, Karin Klaudia Peukert, 42 anos; da irmã Cristina, 16 anos, e dos irmãos Paulo e André. Aquele com 17 anos; e este com oito anos de idade. – A barbárie se deu na residência da família – na Vila Santa Catarina –, também Zona Sul paulistana.
No recente artigo referido acima, eu falei nos diversos motivos de ordem pessoal que podem levar uma pessoa à violência desmedida. Faltou chamar a atenção para um aspecto institucional que colabora grandemente na elaboração de futuros crimes pelo mesmo autor de outro crime, ainda quando este é condenado. Isto é, um fator que contribui com a reincidência do criminoso: a falta de cumprimento das normas penais, dentro dos presídios.
Vejamos: - Em 1987, Roberto Peukert foi sentenciado a 25 anos de reclusão, pela chacina. Mas o juiz o considerou semi-imputável. Assim, substituiu a pena pela internação em manicômio judiciário, de onde ele só poderia sair, de início, sob escolta policial. E teria de passar por periódicas avaliações psicológicas e psiquiátricas.
Contudo, fosse qual fosse a pena; com ou sem substituição dela, o nosso Sistema Penitenciário sempre beneficia alguns criminosos e prejudicam muitos outros.
Roberto Peukert foi enquadrado em quase todas qualificadoras e o crime revestiu-se dos agravantes que a lei enumera. – E a pena aplicada pelo juiz Nilton de Melo foi bem dosada. – Bastaria que o homicida houvesse cumprido os 25 anos completamente, fosse em presídio, fosse em manicômio judiciário. Contanto que cumprisse como manda a letra da lei, em sua sabedoria. Só que a sabedoria do legislador fica só no papel. - Assim, o rigor devido foi de água abaixo. - É o que veremos no próximo texo.
Voltarei a este assunto, abordando aspectos legais da pena, assim como os artifícios macabros de Roberto Peukert, associado este a agentes penitenciários desonestos, durante esses vintes e tantos anos./.

sexta-feira, 2 de março de 2012


Acordo ortográfico  (1)


"No Brasil, fala-se português com açúcar.”


Eça de Queiroz

Reportando-se ao acordo ortográfico que sentou praça em nossas praças, o Millôr Fernandes diz que teme perder o chapéu, ops!, o circunflexo no Millôr. Eu lhe disse que sossegue, porque o circunflexo é nosso. Depois me lembrei de que o circunflexo também é de muitas outras línguas.

Vêem, antevêem, revêem, dêem, crêem, descrêem devem perder o circunflexo. Mas vêm, intervêm, provêm, têm, mantêm, detêm não vão perdê-lo. Vão mantê-lo.

Porém, sempre há um porém. O Millôr tem outras indagações: se houve plebiscito nessa história de acordo; se alguém ouviu um grande escritor ou algum dedicado professor de português, dos tantos quanto existem por aí. Segundo o Millôr, só os velhinhos da ABL daqui e de lá (Portugal) foram auscultados.

Mas eu ouvi alguns professores. E senti a preocupação deles com as dificuldades que advirão para os seus alunos. Até porque a muitos professores, que não sejam tão dedicados, faltam conhecimentos e sensibilidade para lidar com essa problemática. E ninguém pensou como será a capacitação desses professores já meio capengas.

Pois precisam preparar-se para dizerem aos seus alunos que eles podem escrever das duas maneiras - a de antes e a pós-acordo. E dizerem que nenhum professor, nem banca nenhuma pode tirar ponto de aluno ou candidato que escreveu paranóia, antiinflacionário, idéia, heróico, freqüente, argüir, vêem, crêem, auto-escola etc., numa prova ou concurso público. Que eles, os alunos e nós todos, temos até 31.12.2012 para nos adaptar a essa barafunda. (*)

E a confusão se vai instalar na cabeça de muitos: ao dizer que idéia, heróicos, Coréia, paranóico não têm mais acento agudo, o professor tem que dizer por quê. Ao explicar que papéis, heróis, anéis, carretéis, anzóis, caracóis vão manter seus acentinhos, também precisa ele dizer por qual razão. Deixar claro que o acento só morreu para os ditongos abertos das palavras paroxítonas. E está vivinho da silva para os das oxítonas.

Haja dúvidas por cima de dúvidas. Porque nós vamos continuar escrevendo em língua portuguesa. E os alunos têm que escrever muito vida afora.

Agora mesmo o Instituto Rio Branco está abrindo inscrições para concurso de admissão à carreira de diplomata. O concurso abrange quatro fases de provas. Quem lograr êxito na primeira fase, que consta de várias matérias, vai para a segunda fase, somente de língua portuguesa escrita, com caráter eliminatório e classificatório. Se passar, submete-se às outras duas fases.

Pergunto: quem não quer melhorar de vida? Todos queremos, novos e velhotes. Mas, para isso, é preciso saber escrever na língua-padrão. Do contrário, o Itamaraty dá-lhe um pé-na-bunda.

Quem já tinha dificuldades com a língua, vai ficar pior. Então, dentro do Brasil, nenhum ganho houve para nós. Só há ganhos para os comerciantes de livros didáticos, dicionários, manuais de redação etc.

Assim, chamamos isso de grande acordo comercial. Se houver um pequeno ganho nas relações internacionais, isso não justifica os gastos, que serão lançados na coluna de prejuízos. Prejuízos para nós, pagantes de impostos. Não tenham dúvidas: sobrou pra nós, os macaquinhos que votam e pagam impostos!

E se é certo que outros medalhões não foram consultados, também é certo que foram muitas as viagens para seminários, congressos, conferências etc., para tratar dessa minirreforma. As conversações começaram em 1986. Portanto, foram 22 anos de proveitosas (para quem?) viagens e convescotes. E os países africanos, que falam o português, quase nem foram ouvidos.

Pra que ouvir africanos? - Devem ter pensado os grandes reformadores. Ocorre que há bons escritores nos países africanos de língua portuguesa.

Gastaram-se alguns milhões nessas idas e vindas. Mas os milhões já gastos com os convescotes, não são nada, se comparados com os milhões e milhões que se vai começar a gastar para reeditar tudo. O Ministério da Educação pode falar sobre o material escolar que se deve importar, satisfazendo os editores, que são pouquíssimos, mas vão ganhar muitíssimo, à custa desse acordo. Muito dinheiro nosso vai rolar por baixo e por cima desse miniacordinho.

Portanto, os velhinhos de lá e de cá, obraram muito bem quando puseram o nome acordo. Porque se trata de um acordo financeiro. Acordo comercial. E em acordo comercial, ninguém se une. Apenas existem os ganhos financeiros. Cada qual defende os seus. Ou seja, ninguém deixa o seu na reta. Depois, havendo civilidade (se é que há civilidade entre comerciantes) - havendo civilidade, comemora-se o resultado entre os ganhadores. E sai-se pra outra. Esse é o jogo das finanças!

O que se contém nesse esboço de acordo, que teve uma gestação de 22 anos, é um fiasco. Veio mais para confundir do que para explicar. Isso não é teimosia, nem apego a velhos costumes, nem radicalismo, nem saudosismo, nem conservadorismo. É constatação!

Tenho encontrado esse texto em vários veículos de comunicação. Do "Estadão" ao portal de internet "Corto cabelo e pinto". Muitos o reproduzem. No Corto cabelo e pinto, há comentários de leitores. Alguns deles se viram contra o presidente Lula que assinou o acordo. Dizem que o presidente da República é semi-analfabeto (?) e, por isso, tal aberração haveria de ter a sua chancela.

Apesar de dicionários registrarem semi-analfabeto, eu não concordo com esse termo. Porque ou você é alfabetizado, ou semi-alfabetizado ou é analfabeto. Mas, deixa pra lá. O danado é que os que dão essas opiniões usam o português sinuoso e subnutrido.

Por essas e outras, resolvi dar os meus palpites sobre o acordo que se diz ortográfico e que está aí na praça. Nunca vislumbrei nele mudanças para melhor. Também não acredito que ele vá unir coisa nenhuma. Então, julguei-me no direito de me intrometer. Antes, porém, quero citar alguns pontos de vista de quem entende do assunto.

Leiam o que escreveu a respeito, Marcelino Freire, escritor e ganhador do Prêmio Jabuti, pelo seu livro "Contos negreiros": “Essa coisa é, repito, mais financeira. Não acredito que seja para melhorar. Nunca acredito nisso. Em projeto para unificar. Eu quero desunificar a língua. Como escritor, deixem que eu mesmo mexa nela. Requebre e rebole. Bote ou não bote trema. Deixem que eu trema. Que eu junte ou não junte. Minha pátria é minha língua. Logo, única. Viciada. Por que, ora, em vez disso, atenção e aviso: o pessoal não se preocupa em banir o estrangeirismo excessivo pelas ruas e 'shoppings'? Pelos edifícios. Xô, MacFish. Quero o peixe, o tubarão. Certo? Chega de 'all right', meu irmão."

E o escritor angolano, Ondjaki, autor de "Os da minha rua", pensa do mesmo jeito de Marcelino.
O escritor e jornalista português, João Pereira Coutinho, que tem excelente coluna no jornal Folha de São Paulo, considera o acordo "um brutalíssimo erro". E notem que Coutinho, nos seus artigos assinados, procura usar os vocábulos empregados na nossa escrita e não os de uso em Portugal.

O professor e estudioso da nossa língua portuguesa, Pasquale Cipro Neto, disse: "Estamos fazendo a reforma no susto." Pasquale ainda acredita nesse ensaio de reforma. Mas nem deveria acreditar.

Os retoques finais desse acordo, saíram da luneta do renomado professor e acadêmico da ABL, Evanildo Bechara. Na redação do miniacordo, há impropriedades de colocação pronominal e redundâncias. Mas isso é de somenos. Não é a redação que está em debate. É a essência do projeto; é o que ele poderia representar de avanço. Mas, não houve avanço. Trocamos seis por meia dúzia.

Basta que o leitor atento veja a quantidade de observações e pendências que estão no texto. São exceções que não vieram para confirmar a regra. Essas exceções vieram para mostrar os desacertos.

Se ao menos houvessem escrito Chico em vez de Francisco, haveria um ganho: menos letras no texto. Mas, do jeito que está posto, quem não sabia usar hífen, vai continuar sem saber. Porque o hífen continua existindo. Apenas mudou de lugar. Ele não sumirá das nossas penas, nem dos nossos teclados. Até o trema permanece nos nomes próprios, de língua estrangeira, e seus derivados: Müller,mülleriano,Jünger,Bündchen.

Mas o trema praticamente nos abandonou. O hífen, teimoso que é, não nos vai abandonar. E como ficam as mentes de quem mal acabou de se alfabetizar, ao deparar-se com quente e frequente; com aquilo e arguir; com banquete e consequente? Como pronunciar?

Os defensores do miniacordo dizem que o espanhol é falado por 400 milhões de pessoas e tem escrita única. Matreiramente, esses defensores não dizem que dentro da Espanha existem quatro idiomas: o castellano (oficial); o gallego; o catalán e o bascuense. São idiomas com escritas diferentes. Não são dialetos.

Deixemos o espanhol, para nos ater às incongruências do pretenso acordo. Basta-nos observar o emprego do hífen. Na forma anterior, pouca gente sabia usá-lo. Na forma hoje pretendida, tornou-se o samba do crioulo doido: muitas palavras mantêm o hífen; muitas outras das que o tinham, deixaram de tê-lo; e outras que não o tinham, adotaram-no.
Ora, quem corta o trema / que diz onde está o fonema / e que dá o tom da pronúncia do que é conseqüente / e mostra tudo quanto é quente. / Por que manter o hífen em vice-presidente?
É muita desordem num só pacote!

Exemplos de palavras que mantêm o hífen: ano-novo (o ano entrante: feliz ano-novo); bom-dia, boa-tarde, bem-vindos, guarda-chuva, recém-nascido, oba-oba; recém-iniciado, pré-histórico, porta-malas, conta-giros, contador-mor, pré-natal,
conta-gotas, pós-cadêmico, pró-reitor, mal-entendido, azul-claro, pró-empresários, cor-de-rosa, segunda-feira, sexta-feira, erva-doce, vice-rei, malmequer-amarelo, sem-vergonha, além-fronteira, pós-graduado etc.

Está pronta a salada.
Voltarei ao assunto. - José Fernandes Costa-jfc1937@yahoo.com.br
(*) NOTA - Este texto foi produzido no final de 2008.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Mocidade e conflitos

No dia 1º de fevereiro de 1985, publiquei numa revista semanal, artigo que começava assim: “Em São Paulo, na madrugada de 6 de janeiro de 1985, um jovem de dezoito anos matou, a tiros e facadas, sua mãe, após esta haver desligado, com reclamações, um som que ele ligara em alto volume, momentos antes. Não satisfeito, assassinou, também, o pai e mais três irmãos menores. Preso no mesmo dia, o assassino dormiu e se alimentou normalmente. E declarou que antes do crime havia regressado de uma festinha onde tomara alguns refrigerantes. Com naturalidade, perguntou ao delegado se teria direito à herança dos bens materiais da família recém-destruída”.
Esse foi só o início do artigo daquela data. E novamente em São Paulo, na noite de 30.10.2002, uma jovem, às vésperas de completar 19 anos de idade, planejou a morte dos seus pais, e mandou executá-los, de modo cruel pelo namorado dela e o irmão deste.
Isso nos faz constatar que proporção elevada de pais e filhos vive o grande desencontro de cada dia. Os pais, muitas vezes implicam com coisas banais ou se contrapõem a ações e atitudes incorretas dos filhos. Estes, em certas fases da vida são rebeldes e inconformados; protestam contra tudo e não gostam de cumprir normas. Também, com relativa razão, não aceitam receitas prontas!
Ocorrências desse porte, em que filhos matam pais ou avós, têm-se repetido com relativa freqüência. Seja em São Paulo, seja em Manaus ou em Porto Alegre.
No referido episódio de 2002, que envolveu a família Von Richthofen novamente se falou em herança e outros bens materiais de pronta liquidez, como jóias e dinheiro. Mas tudo começou com a discordância dos pais de Suzane com um namoro mantido por ela, com um jovem de classe mais humilde e de costumes duvidosos.
Em situações desse tipo, os pais têm de considerar algumas sutilezas, para poder agir com a devida maturidade.
Nada obstante, não dá para acreditar que coisas tão pequenas resultem tragédias tão grandes. A frieza, a surpresa – as vítimas estavam dormindo –, os requintes de crueldade etc. Ademais, com comemorações subsequentes e ensaio de orgias logo após o crime. Atitudes essas que causam imensa perplexidade.
Nos momentos seguintes ao assassinato, inclusive no sepultamento, os dois filhos do casal trucidado, Suzane e Andréas, este, então, com 15 anos de idade, se comportaram como se nada houvesse acontecido.
As polícias trabalharam com muitas evidências e logo descobriram que os autores haviam sido a filha das vítimas, o namorado dela, e o irmão deste. Meses depois, houve a reconstituição do assassinato, pela Polícia Técnica. Os dois rapazes assassinos se apresentaram muito nervosos e choraram bastante. Foi necessário muito jeito, calmantes, e a interrupção dos trabalhos para conter o desespero de Daniel, o namorado de Suzane, que, como criança, tremia e chorava, por voltar ao local do crime e ver o cenário onde dias antes ele era ator.
Enquanto isso, Suzane, a filha dos mortos, e mentora do diabólico plano de execução, não derramou lágrimas. Falou naturalmente como se nada houvesse se passado ali.
Essas coisas nos remetem à complexidade do ser humano. A própria Psiquiatria e a Psicologia Forense têm dificuldades de lidar com tais comportamentos. Suzane Louise, moça de classe média alta, estudando o 1º ano do curso de Direito numa das melhores universidades de São Paulo, aparentemente, nada lhe faltava no campo material. Assim, espantou meio mundo com essa capacidade tão imprevista.
De outra forma, vejamos: - os pais não devem tudo aos filhos. E estes devem, ao menos, obediência a seus pais, afora outras obrigações. Por outro lado, os jovens de hoje recebem uma carga muito grande de informações; um verdadeiro bombardeio que, por vezes, deixa-os confusos. E isso não lhes dá maturidade. Pode, ao contrário, resultar muita instabilidade emocional. Nesse estágio da vida, adolescentes e jovens costumam ser agressivos com a família; aparentam autossuficiência; estão sempre contestando e não demonstram interesse em ajudar pai e mãe, negando-se a colaborar com os afazeres domésticos. De outra parte, são exigentes quando se dirigem aos pais para reclamar algo ou solicitar algum benefício. Querem presteza e rapidez, coisas que nem sempre dão em contrapartida. Mas tudo isso comporta as exceções de praxe.
É sabido que compete aos pais disciplinar o temperamento e as vontades dos filhos, impondo-lhes limites; e para que essa cadeia de formação se complete sem choques e com sucesso, é preciso que os primeiros saibam organizar o caráter dos segundos, exercendo autoridade nos moldes do bom senso.
É arriscado afirmar se os autores daquela monstruosidade merecem repulsa ou cuidados. Sem muito esforço, contudo, entende-se que houve uma violência no seu estilo maior. Que mais se poderia esperar de tipos violentos?
O comportamento é um aspecto psicossomático do indivíduo. O bom caráter é o temperamento disciplinado para as boas normas de conduta social. A personalidade se modifica, amiúde, conforme o meio onde vivemos. E tudo o que é transmitido pela genética está sujeito às influências do ambiente, que fazem parte da formação do caráter. Daí a necessidade de conhecermos os nossos filhos e o seu mundo.
Algumas imposições por parte dos pais podem ser interpretadas como desrespeito à individualidade da pessoa e poderá ser a gota que faltava para fazer transbordar a tina que já estava cheia. Entretanto, convém que se diga aos jovens que desespero e atos extremos nunca diminuirão dificuldades; pelo contrário, somente tendem a aumentá-las. E a vida é o nosso bem maior, que não devemos destruir, porque, com ela, quando tudo falta, resta ainda a esperança.