domingo, 5 de junho de 2016

Conto







A morte do fiscal


 José Fernandes Costa – jfc.costa15@gmail.com


A minúscula Vitória da Serra foi a cidade onde Pedro viveu sua infância. Lá, até as pequenas coisas causavam agitação. Os acontecimentos maiores eram motivo de grande rebuliço. De ordinário, a vida ali era tão calma que dava canseira. As pessoas esperavam novidades, fossem quais fossem; mas só muito dificilmente as tinham. E ninguém esperava acontecimentos trágicos. A grande maioria dos habitantes da cidade era muito pacata e só desejava coisas boas.

Certo dia, Pedro estava em sala de aulas, no Grupo Escolar, onde fazia o curso primário. Eram aproximadamente 9 horas da manhã. Ouviram-se três estampidos parecendo disparos de arma de fogo. – Naquele lugar tranquilo, o que destoava era o hábito de homens “importantes” andarem sempre com revólver à cinta, de modo ostensivo, não se sabe pra quê. Era mais um sinal do atraso daquele lugarejo.

Passado o susto com os estampidos, em poucos minutos começaram os cochichos e comentários à boca miúda. As aulas foram interrompidas. Os adultos se mostravam inquietos e falavam baixinho, demonstrando muita reserva. Os meninos, em natural curiosidade, de tudo querendo saber, indagavam o que houvera e ficavam mais atordoados.

Em pouco tempo veio a notícia: João Sacristão havia assassinado o fiscal das rendas estaduais, Arnaldo Saraiva. O fiscal, ainda novato no lugar, tinha vindo da capital, havia poucos meses, substituir um colega que se afastara por doença. – Seu Arnaldo foi morto no meio da ponte principal do lugar, à luz do dia, quando ia para o trabalho.

João Sacristão, assim era chamado, por ter sido cria de padre; era um tipo mal-encarado. Estava sempre nos bares, dada a sua destreza no jogo de sinuca. Era bem tratado pelos senhores da terra, que o tinham na conta de um sujeito perigoso. Um perigoso que seria muito útil em certas ocasiões, diziam. João atirava bem e era muito disposto. O certo, porém, é que de sacristão ele nada tinha. Deixara os recantos da sacristia muito cedo, quando reconheceu estar no lugar errado.

Na cabeça dos meninos, a morte do fiscal era mistério. De nada eles sabiam, ainda que toda a cidade soubesse do namoro quente do fiscal com a mulher do seu Renato. O velho Renato era um sujeito grosseirão e pertencia a uma família “ilustre” daquela terra. Portador de um defeito físico, vivia sempre praguejando. Não tinha temor a nada. Xingava vivos e mortos; Deus e o diabo.

João Sacristão, após o crime, disparou o restante da munição, para assombrar os curiosos; e desapareceu de fininho, pela margem do rio Paraíba. Mais adiante recarregou o revólver. E seguiu em ligeiro.

Hermes Braga era o delegado em exercício no município. Homem polido e de poucas palavras. Não era da farda, nem tinha diploma. Mas era bem instruído e muito informado. Inteligente, respeitado e admirado pelo povo dali; era tido como bom na função de delegado. Filho do lugar; habilidoso na política e exímio conhecedor dos males da região. – Sempre que o posto de delegado ficava vago, o governador assinava portaria, designando o senhor Hermes Braga para a função.

Logo a após o homicídio, Hermes foi avisado do crime. Incontinênti, convocou um cabo PM, seu auxiliar, e seguiram a pista do bandido, montados a cavalo. Cerca de quatro quilômetros adiante avistaram João Sacristão que tentava fugir pelo mato.

Apressaram os cavalos. Em poucos minutos Hermes deu voz de prisão ao bandido João. – João Sacristão voltou-se num gesto rápido, revólver em punho, querendo reagir. Frente a frente com o delegado, este também com o 38 na mão, João mudou de atitude e retirou a carga da arma. Aquelas balas, disse ele, estavam reservadas para qualquer um que se atrevesse a prendê-lo, mas não para seu Hermes. E se entregou à prisão.

João não sabia ler. Em seu bolso foi encontrada uma carta. Interrogado sobre ela, ali mesmo, disse que a estava levando para o irmão do seu Renato, na fazenda Barra Mansa, para receber o restante da quantia acertada para o trabalho que acabara de executar.

Hermes leu a carta que continha uma sentença de morte: Bentinho, irmão mais novo do velho Renato, deveria eliminar João Sacristão o mais rápido possível; pois ele havia cumprido a tarefa e aquele assunto teria de ser encerrado ali mesmo. Ninguém mais poderia saber.

Preso, João Sacristão foi a júri dois anos depois. Condenado à pena de 22 anos e alguns meses, teve de cumprir a sentença. – O velho Renato, sujeito de família “tradicional”, ficou alguns meses em regime semiaberto.  Até que foi a júri. – Não é de estranhar que o Conselho de Sentença tenha absolvido seu Renato por sete a zero. – Mas, alguns anos depois, o velho Renato morreu de um câncer violento. – Assim, cumpriu-se outra sentença. /.

3 comentários:

  1. Qualquer semelhança com pessoas ou fatos, NÃO é mera coincidência. - A imaginação saiu de caso real. /.

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  2. Jacinta Padilha disse:
    Acabei de ler o conto. Muito bom! - E como disse: "Qualquer semelhança com fatos ou pessoas NÃO é mera coincidência."

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