Dupla moral
“Sempre que fazem algo de que se
envergonha,
os homens dizem que estavam só cumprindo seu
dever”.
(Bernard Shaw).
José Fernandes Costa – jfc.costa15@gmail.com
Na
família Carvalheira Teles havia o hábito de casar tios com sobrinhas. Por isso,
faltava moral bastante para que se afirmasse que primo não engravidava prima. Ademais,
havia outros cinismos explícitos. Vejamos: Macário Teles, tio
de Milinha, mantinha um romance com a cunhada,
Tereza, esposa do seu
irmão Frederico. Macário era solteirão ricaço, cínico e grosseirão.
Tinha uns 15 filhos
com várias mulheres
humildes cujas famílias
moravam em suas
fazendas. Vez
ou outra, Macário era
visto sem
roupas, à beira
de um açude
de sua propriedade,
alisando o pênis e chamando Tereza, que o observava através
dos arbustos que
circundavam o açude. Minutos depois,
ali mesmo
dentro d’água,
ambos se entregavam aos deleites do sexo.
E Hermes, o filho
mais velho
de Tereza e Frederico, era muito chegado ao
seu tio
Macário. Recém-casado com uma prima, Hermes estreitou convivência
e companheirismo com
esse tio,
mesmo sabendo que ele era amante de sua mãe. As terras
dos dois eram contíguas e as casas grandes de ambos
situavam-se bem próximas, podendo avistar-se uma,
olhando-se do alpendre da outra.
Com
tamanha aproximação,
Hermes passou a rezar pela
cartilha de Macário. Arrumou amante, irmã de uma das amantes
do tio, que ainda
era novo naquela época. Tempos
depois, Hermes também
já mantinha um
caso amoroso
muito forte
e que se tornou duradouro, com sua cunhada Iracema, casada
com Evaristo, irmão
do próprio Hermes. Com
tantas afinidades, a amizade do tio com o sobrinho somente
aumentava.
Diante
dessas anomalias, voltamos a perguntar:
- que autoridade moral tinham os homens
daquela família para
dizer que primo não engravidaria
prima? Hipocrisia
pura, má-fé
e maldade. Mas,
sem ter de quem se valer, totalmente indefesa,
Milinha não vislumbrou outra saída, a não ser concordar
com a hipócrita
versão inventada pelos
irmãos. E disse-lhes que o pai da menina era mesmo o seu
Guedes.
Os irmãos
de Milinha não aceitavam a criança em hipótese alguma. Estavam alucinados. Uma sobrinha deles, já
noiva, ofereceu-se para
criar a menina.
O Velho Bernardo não
quis conversa. E não
admitia nem ouvir
falar nessa proposta.
A menina não
se iria criar junto
à “imaculada” família
Teles. Desse modo, alguns
queriam que a recém-nascida fosse morta sumariamente. Outros
diziam que ela
deveria ser atirada
ao relento para
ser destruída pelos
animais. Dª Sofia, indignada com a brutalidade dos filhos contra
Milinha e a filha que
acabara de nascer, pôs-se no quarto
com as duas e não
permitiu que nenhum
deles entrasse.
Aí
eles decidiram mandar
a criança para
o suposto pai
tomar conta. E enviaram
um recado
para o Guedes, avisando-o de que
ele viesse buscar
a menina, caso
contrário, ela
seria morta. Guedes respondeu que não era o pai. E eles, os irmãos
de Milinha, ameaçaram-no de morte. Diante disso, mesmo
afirmando nada dever,
Guedes resolveu assumir a guarda
da menina.
Com
medo de ir lá, Guedes pediu a um
casal de velhos,
seus amigos,
que fossem buscar
a criança. Os velhos
também tinham medo,
mas foram. E ao se aproximarem da casa de Milinha, pararam e gritaram, pedindo que trouxessem a recém-nascida. Não
havia roupas para
vesti-la. Dª Sofia levou-a embrulhada
num pedaço de tecido
grosso, que
servia para fazer mochilas para caçadores.
Entregou-a ao casal de velhos e eles a
levaram para os cuidados
do Guedes.
Mas
Guedes também era
casado. Tinha
esposa e filhos.
Por isso,
não podia aceitar
a menina em
sua casa.
Ele tinha
uma irmã solteira, Rosa
Maria. Então, pediu a Rosa que
cuidasse da criança. E os dois
juntos tratariam de encontrar
alguém que
quisesse adotá-la.
A essa altura,
Eloísa, a filha mais
velha de Milinha, já
havia sido mandada para
a casa do tio
Gabriel, na cidade de Rio
das Trevas, a 110 Km
da Fazenda Tramandaí. O filho Pedro, com
quatro anos
de idade, ainda
estava com a mãe.
Sem a filha
que acabara de nascer
e com a saúde
muito debilitada, Milinha ficou exposta à fúria
de alguns dos irmãos,
principalmente de Josué. Este, costumava
espancá-la, juntamente com o pai,
Bernardo, num dos quartos da casa grande, onde ela passou
a viver trancada.
Nos
fins de tarde,
Pedro ouvia gritos vindos de dentro do quarto onde Milinha se encontrava. Naquela hora estavam no
quarto: ela, seu irmão
Josué e o pai Bernardo. A seguir,
ouviam-se pancadas e a porta permanecia fechada por
mais uns instantes,
até que
pai e filho
saíam. Pedro, sem nada
entender, seguia para a cozinha e encontrava sua
avó, Sofia, chorando.
Os maus-tratos, somados à pressão
brutal e violenta
que sofreu dos irmãos,
e mais a brusca
separação dos filhos,
deixou Milinha quase louca. Era o pretexto que eles queriam para justificar o seu
internamento num hospital de alienados
mentais, na capital
do estado.
Nessa última
viagem ela
foi levada pelo
irmão Lauro que
se fez acompanhar de Alonso Teles. O velho Alonso, tido como
uma espécie de conselheiro da família, era concunhado de Bernardo Carvalheira. Alonso agia como juiz de paz. Na verdade, ele era um grande
ignorante analfabeto. Possuía um título de “coronel”, que
se comprava naquela época por
qualquer meia
pataca. Assim,
era o “coronel” Alonso quem dava as cartas
em qualquer
situação que
mexesse com
a “honra” da família
Teles.
Lauro também
bateu em Milinha na noite
anterior à sinistra
viagem, na casa
de Gabriel, o irmão mais
velho e talvez
o mais omisso.
Ela não
admitia viajar para se internar, porque já pressentia a intenção
dos seus irmãos.
E se recusava a se preparar para a viagem. Foi aí que Lauro entrou no quarto onde Milinha estava trancada, tornou a fechar
a porta e, mais
uma vez, ouviram-se gritos
seguidos de pancadas, até que Milinha
se calou e vestiu-se para empreender
sua última
viagem.
Ao entregar a
irmã no hospital, e respondendo à pergunta
da funcionária que
o atendeu, e que precisava saber como e com quem se comunicar quando
Milinha se recuperasse, o satânico Lauro
disse que se ela
se curasse, eles resolveriam depois; mas se
morresse ali mesmo,
seria muito melhor.
E voltou pra casa, ostentando “consciência
tranquila” como quem
houvera cumprido nobre missão. – Milinha nunca mais voltou! Nem o corpo, eles
foram buscar! Foi sepultada como indigente, na capital do estado!
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