quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Dupla moral






Dupla moral

“Sempre que fazem algo de que se envergonha, 
os homens dizem que estavam só cumprindo seu dever”.
(Bernard Shaw).

José Fernandes Costa – jfc.costa15@gmail.com


      Na família Carvalheira Teles havia o hábito de casar tios com sobrinhas. Por isso, faltava moral bastante para que se afirmasse que primo não engravidava prima. Ademais, havia outros cinismos explícitos. Vejamos: Macário Teles, tio de Milinha, mantinha um romance com a cunhada, Tereza, esposa do seu irmão Frederico. Macário era solteirão ricaço, cínico e grosseirão. Tinha uns 15 filhos com várias mulheres humildes cujas famílias moravam em suas fazendas. Vez ou outra, Macário era visto sem roupas, à beira de um açude de sua propriedade, alisando o pênis e chamando Tereza, que o observava através dos arbustos que circundavam o açude. Minutos depois, ali mesmo dentro d’água, ambos se entregavam aos deleites do sexo.

       E Hermes, o filho mais velho de Tereza e Frederico, era muito chegado ao seu tio Macário. Recém-casado com uma prima, Hermes estreitou convivência e companheirismo com esse tio, mesmo sabendo que ele era amante de sua mãe. As terras dos dois eram contíguas e as casas grandes de ambos situavam-se bem próximas, podendo avistar-se uma, olhando-se do alpendre da outra.

       Com tamanha aproximação, Hermes passou a rezar pela cartilha de Macário. Arrumou amante, irmã de uma das amantes do tio, que ainda era novo naquela época. Tempos depois, Hermes também já mantinha um caso amoroso muito forte e que se tornou duradouro, com sua cunhada Iracema, casada com Evaristo, irmão do próprio Hermes. Com tantas afinidades, a amizade do tio com o sobrinho somente aumentava.

       Diante dessas anomalias, voltamos a perguntar: - que autoridade moral tinham os homens daquela família para dizer que primo não engravidaria prima? Hipocrisia pura, má-fé e maldade. Mas, sem ter de quem se valer, totalmente indefesa, Milinha não vislumbrou outra saída, a não ser concordar com a hipócrita versão inventada pelos irmãos. E disse-lhes que o pai da menina era mesmo o seu Guedes.

       Os irmãos de Milinha não aceitavam a criança em hipótese alguma. Estavam alucinados. Uma sobrinha deles, já noiva, ofereceu-se para criar a menina. O Velho Bernardo não quis conversa. E não admitia nem ouvir falar nessa proposta. A menina não se iria criar junto à “imaculadafamília Teles. Desse modo, alguns queriam que a recém-nascida fosse morta sumariamente. Outros diziam que ela deveria ser atirada ao relento para ser destruída pelos animais. Dª Sofia, indignada com a brutalidade dos filhos contra Milinha e a filha que acabara de nascer, pôs-se no quarto com as duas e não permitiu que nenhum deles entrasse.

       Aí eles decidiram mandar a criança para o suposto pai tomar conta. E enviaram um recado para o Guedes, avisando-o de que ele viesse buscar a menina, caso contrário, ela seria morta. Guedes respondeu que não era o pai. E eles, os irmãos de Milinha, ameaçaram-no de morte. Diante disso, mesmo afirmando nada dever, Guedes resolveu assumir a guarda da menina.

       Com medo de ir lá, Guedes pediu a um casal de velhos, seus amigos, que fossem buscar a criança. Os velhos também tinham medo, mas foram. E ao se aproximarem da casa de Milinha, pararam e gritaram, pedindo que trouxessem a recém-nascida. Não havia roupas para vesti-la. Dª Sofia levou-a embrulhada num pedaço de tecido grosso, que servia para fazer mochilas para caçadores. Entregou-a ao casal de velhos e eles a levaram para os cuidados do Guedes.

       Mas Guedes também era casado. Tinha esposa e filhos. Por isso, não podia aceitar a menina em sua casa. Ele tinha uma irmã solteira, Rosa Maria. Então, pediu a Rosa que cuidasse da criança. E os dois juntos tratariam de encontrar alguém que quisesse adotá-la.

       A essa altura, Eloísa, a filha mais velha de Milinha, já havia sido mandada para a casa do tio Gabriel, na cidade de Rio das Trevas, a 110 Km da Fazenda Tramandaí. O filho Pedro, com quatro anos de idade, ainda estava com a mãe. Sem a filha que acabara de nascer e com a saúde muito debilitada, Milinha ficou exposta à fúria de alguns dos irmãos, principalmente de Josué. Este, costumava espancá-la, juntamente com o pai, Bernardo, num dos quartos da casa grande, onde ela passou a viver trancada.

       Nos fins de tarde, Pedro ouvia gritos vindos de dentro do quarto onde Milinha se encontrava. Naquela hora estavam no quarto: ela, seu irmão Josué e o pai Bernardo. A seguir, ouviam-se pancadas e a porta permanecia fechada por mais uns instantes, até que pai e filho saíam. Pedro, sem nada entender, seguia para a cozinha e encontrava sua avó, Sofia, chorando.

       Os maus-tratos, somados à pressão brutal e violenta que sofreu dos irmãos, e mais a brusca separação dos filhos, deixou Milinha quase louca. Era o pretexto que eles queriam para justificar o seu internamento num hospital de alienados mentais, na capital do estado.

       Nessa última viagem ela foi levada pelo irmão Lauro que se fez acompanhar de Alonso Teles. O velho Alonso, tido como uma espécie de conselheiro da família, era concunhado de Bernardo Carvalheira. Alonso agia como juiz de paz. Na verdade, ele era um grande ignorante analfabeto. Possuía um título de “coronel”, que se comprava naquela época por qualquer meia pataca. Assim, era o “coronel” Alonso quem dava as cartas em qualquer situação que mexesse com a “honrada família Teles.

       Lauro também bateu em Milinha na noite anterior à sinistra viagem, na casa de Gabriel, o irmão mais velho e talvez o mais omisso. Ela não admitia viajar para se internar, porque já pressentia a intenção dos seus irmãos. E se recusava a se preparar para a viagem. Foi aí que Lauro entrou no quarto onde Milinha estava trancada, tornou a fechar a porta e, mais uma vez, ouviram-se gritos seguidos de pancadas, até que Milinha se calou e vestiu-se para empreender sua última viagem.

       Ao entregar a irmã no hospital, e respondendo à pergunta da funcionária que o atendeu, e que precisava saber como e com quem se comunicar quando Milinha se recuperasse, o satânico Lauro disse que se ela se curasse, eles resolveriam depois; mas se morresse ali mesmo, seria muito melhor. E voltou pra casa, ostentando “consciência tranquila” como quem houvera cumprido nobre missão. – Milinha nunca mais voltou! Nem o corpo, eles foram buscar! Foi sepultada como indigente, na capital do estado!


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