terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Exagero e má escolha




“Ninguém é dono da tua felicidade.
Por isso, não entregues tua alegria,
tua paz, tua vida, nas mãos de ninguém.
De ninguém, absolutamente!"
(Aristóteles.)

Isabella Baracat Negrato tinha 20 anos. Terminara o 4º período do curso de Direito e sonhava com a magistratura. Queria ser juíza. Quis fazer um passeio diferente, num cruzeiro universitário. Era sua primeira experiência nesse tipo de lazer. Mas, na primeira parte das celebrações, Isabella morreu, à noitinha do dia 19.12.2008.

Se foi só por mistura de bebidas alcoólicas, só Deus sabe. Até que o laudo do IML saia, reina mistério em torno do que mais possa ter levado Isabella a óbito. Dizem que ela misturou vários tipos de bebidas. Dizem também que no navio onde se dava o passeio, no litoral entre São Paulo e o Rio de Janeiro, drogas entravam sem muito problema, apesar da fiscalização severa, por parte da receita federal.

Irmãos e amigos próximos de Isabella foram categóricos ao afirmar que ela detestava drogas ilícitas. A voz corrente dá conta de que no navio a desordem foi arrasadora. Pessoas fazendo sexo (ou transando) na piscina, nos corredores, nos sanitários, onde mais quisessem. Gente que passou o ano todo pagando para fazer a viagem, queria aproveitar o máximo. Eram 1.800 passageiros.

Isabella gostava de beber, dançar e se divertir. Ao ser encontrada por um leão de chácara do navio, já prostrada, ela mal pôde balbuciar. Mas disse, com a língua enrolada, que alguém pusera droga na sua bebida. Porque, segundo suas palavras, ela não havia usado drogas. Pelo menos, por suas mãos e por sua vontade, as drogas não seriam utilizadas por ela. Foi o que disse.

Alguns participantes da viagem disseram que os homens pagavam bebidas para as mulheres. Porque as bebidas eram caríssimas. Se os homens pagavam, queriam levar vantagem, claro. Por que eles iriam pagar bebidas caras para mulheres, só pra ver navios?

Num ambiente daquele, tudo pode acontecer. No meio de cerca de 1.800 pessoas, a grande maioria bêbada e cometendo todo tipo de desatinos, o que se pode esperar em termos de exageros e maus procedimentos? O mais provável é que coleguinhas do mal tenham posto drogas nas bebidas da jovem, que eu chamo de jovem criança. Porque, com 20 anos de idade, eu a considero criança. Ex-criança.

Alguém pode dizer que crianças desse porte fazem tantas e tantas outras crianças. E que, para transar, elas não são crianças. Discordo dessas teorias simplistas e desconfio de pessoas que chamam para si o direito de tudo julgar e prejulgar. Muitas e muitas dessas pessoas têm dupla moral. São dissimuladas ou querem dar uma de santinhas.

O fato de uma pessoa de 15 ou 20 anos ter vida sexual ativa, não quer dizer que esteja amadurecida. Que tenha maturidade para fazer ou deixar de fazer muitas outras coisas. Pessoas de 40, 50 e mais anos de idade cometem besteiras de todo tamanho. Por que uma de 14, 19 ou 22 anos não iria cometer? E se é maior de idade para votar, dirigir carro e praticar outros atos da vida civil, isso não significa que tenha discernimento para o que der e vier. Nem que se garanta contra quem vier e der.

Outros querem culpar os pais por tudo que acontece aos filhos. É certo também que muitos pais não querem nem saber do que os seus filhos fazem. Outros, ainda, são reconhecidos maus exemplos. Mas vamos devagar com o andor, que o santo é de barro. E a galinha quer pôr.

Vivemos nesse caldo de cultura onde todos se sentem atordoados. Noção de certo e errado é coisa por demais subjetiva. Os avanços tecnológicos avançam a 10.000 km por hora. Velocidade estonteante, se considerarmos o que ocorria há algumas décadas. Ou seja, invenções e transformações, em ritmos vetiginosos. Educação, de modo geral, a passos de tartaruga. E ficamos que nem barata tonta, empapada em inseticida.

Mas o certo é que Isabella morreu, quando sua vida mal havia começado. E isso me fez lembrar de outra ex-estudante de Direito, que também embarcou numa canoa furada. Só que antes de embarcar, seus pais tiveram de embarcar primeiro. E estes não entraram na canoa. Eles foram embarcados num transatlântico, com passaporte somente de ida. Sem volta.

A outra jovem a que me refiro, tinha a idade de Isabella. Chama-se Suzane von Richthofen, que se juntou a rapazolas de índoles duvidosas, os irmãos Cravinhos. E deu no que deu. Dessa mistura de Suzane com os irmãos Cravinhos, resultou a morte dos pais dela, quando ambos dormiam em sua residência. Foram mortos pelos dois rapazes, com a ajuda de Suzane, que estava com 19 anos, à época. Um dos rapazes namorava a própria Suzane. O crime se deu no dia 31.10.2002, no bairro do Brooklin, em São Paulo.

Suzane não perdeu a vida, mas perdeu muita coisa dessa vida. Vinda de classe média alta, bem-nascida, portanto, aos 19 anos, ainda criança (mesmo criança que faz outra), essa jovem patrocinou uma brutalidade descomunal. Por isso, foi condenada a 39 anos de reclusão.

A sentença foi proferida no dia 31.7.2006, já em segundo julgamento, visto que na data marcada para o primeiro, numa manobra da defesa dos dois rapazes, eles não apareceram. Mas Suzane compareceu. Não foi julgada na primeira data, porque o processo não fora desmembrado.

O duplo homicídio (parricídio e matricídio, para Suzane) teve inúmeros agravantes para todos eles: motivo fútil ou torpe; impossibilidade de defesa das vítimas; meios insidiosos e cruéis; praticado contra ascendentes - no tocante a Suzane; promover e organizar a atividade dos demais agentes do crime etc. A acusação, a cargo do promotor de justiça, Roberto Tardeli, pediu o enquadramento em todos os agravantes e qualificadoras.

O crime: duplo homicídio, triplamente qualificado. Porque, além dos agravantes já citados, ficou provada a fraude processual. Os assassinos alteraram a cena do crime. Atenuante, só havia a confissão em Juízo. Todos confessaram.

Sobre Isabella, quase nada sei. Só o que foi noticiado após a sua morte. Quanto a Suzane, sei bem mais. Porque, concluído o inquérito, a administradora de empresas, Ilana Casoy, fascinada pesquisadora desse tipo de crimes, escreveu e fez publicar um livro excelente. Ao menos para quem se interessa pelos meandros policiais, criminais, judiciais e investigativos.

Título do livro: O Quinto Mandamento. Nele, Ilana desenvolve tarefa de formiguinha, brindando-nos com primoroso trabalho feito em todo o curso das investigações, peça por peça, etapa por etapa, até a reconstituição do crime.

Psicólogos, psicanalistas, psiquiatras, criminalistas, todos são chamados à TV para exporem suas teorias. Cada qual diz o que quer. Mas não é fácil explicar os desatinos de muitos, que culmina com tragédia. Resumindo: são atos do ser humano, agravados pela natural alegria ruidosa da juventude. Não comportam muita explicação, nem é preciso escrever compêndios tentando justificar por que ocorrem.

Contudo, uma coisa é certa: as nossas escolhas no meio social, no decorrer das nossas vidas, respondem por cerca de 50% dos nossos atos. A nossa personalidade é feita de fatores herdados e por outros vindos da educação doméstica. A estes, somam-se os fatores adquiridos no convívio social que escolhemos ou que nos vieram por gravidade.

Quanto ao papel da mídia nesses fatos, sabemos que ela exerce muita influência negativa. Nos seus apelos em busca de audiências, as TVs funcionam como escolas de crimes. É isso. - José Fernandes Costa. - 7.1.2009.

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