quinta-feira, 10 de março de 2016

Carta e mensagem



Sexta feira, 15 de Maio de 2009.

José Fernandes Costa

De início, separo ciências de religiões. Em princípios de abril p. findo, o senhor José Antônio Taveira (Zé Antônio) distribuiu mensagem, via correio eletrônico. Com ela, veio uma carta atribuída ao padre Luiz Carlos Lodi da Cruz. Segundo se lê ali, a carta é de apoio ao bispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso, por ter este fincado pé contra o aborto da menina de 9 anos, estuprada pelo padrasto, em Alagoinhas (PE). E por ter proclamado, alto e bom som, a excomunhão dos médicos e demais pessoas que participaram do aborto. – Essa menina de 9 anos estava grávida de gêmeos!

Premido por ocupações durante o mês de abril deste ano de 2009, só agora encontrei tempo para este comentário. Assim, volto à polêmica que se instalou sobre médicos e bispo, por causa daquele aborto legal (CP - Art. 128, II). A dita carta do senhor Lodi, é de um primarismo e de uma futilidade tais, que nos espanta pensar que foi escrita por um padre. Se assim é, faltou dizer que esse bispo Cardoso já foi santificado em vida, pelo seu “ato de coragem”. Seria o bravo santo dom Dedé.

Já começa a carta falando em "mártir em defesa da vida". Será o inconfidente excomungador? E o Zé Antônio faz questão de grafar o nome do bispo todo em maiúsculas, repetidas vezes, para passar a ideia de que se trata de grande líder. Mas isso é falso.

Mártir são as centenas de padres abnegados que, seguindo os ensinamentos de Cristo, embrenham-se em lugarejos sem nenhum conforto e passam a defender os marginalizados. Esses sacerdotes sofrem constantes ameaças e muitos deles são executados pelos "donos" das províncias, por terem sido estes contrariados nos seus interesses mesquinhos. Eles, os padres, buscam os direitos mais elementares da pessoa humana. E por isso são mortos fria e covardemente.

Sabendo-se que o Vaticano é um Estado e que o papa é chefe de Estado, o que têm feito os papas, junto a outros chefes de Estado, mundo afora, para proteger os padres que fizeram opção pelo direito à vida desses desafortunados, oprimidos e marginalizados? Muitos desses religiosos se dão por inteiro, em busca dos direitos dessas pessoas, nos grotões do mundo, por abnegação. Não por vontade do Vaticano. Temos um bom punhado desses padres, em todo o mundo. Vamos citar, como exemplo, dom Pedro Casaldáliga, bispo católico espanhol, nascido na Cataluña. Casaldáliga chegou ao Brasil em 1968. Começou pela Amazônia. Depois se fixou em São Félix do Araguaia – Mato Grosso.

Mas esses devotados são exceções dentro da Igreja Católica. Se eles não temerem as ameaças, já foi dito, podem ser assassinados, por contrariarem interesses dos endinheirados, que vivem de bem com a igreja. Porque esses poderosos de plantão costumam ir à missa aos domingos e comungam para que todos vejam como são “religiosos”.

O padre jesuíta, João Bosco Penido Burnier, foi cumprir uma missão de humanidade, lá mesmo no Mato Grosso, juntamente com dom Casaldáliga. Padre Penido Burnier morreu com um tiro na nuca. Tiro esse disparado por policiais bandidos que sempre ficam na defesa dos donos dessas longínquas províncias.

Prosseguindo: Zé Antônio sai julgando todos. Ele é a própria palmatória do mundo. Fala dos "que se dizem católicos". E diz que vai "reproduzir acontecimentos verdadeiros" (é o dono da verdade absoluta). E mais acrescenta: "... atos perpetrados por médicos sem consciência...” (Ainda se apodera ele das consciências alheias). – Zé Antônio é defensor ad hoc do mártir da excomunhão.

Ele transcreve o artigo do padre Luiz Lodi, que seria o primeiro de apoio ao bispo. Mas esse apoio foi primeiro e único. Pergunto: sendo o jornal "A Mensagem Católica", de propriedade da arquidiocese, iria publicar algum artigo de repúdio ao bispo? - Elementar, não?

Levantar a hipótese de que aquela mãe teria sido coagida a assinar a autorização para o aborto em sua filha, revela muita ignorância. Onde estariam os ditos assessores jurídicos da arquidiocese? Onde estaria o Ministério Público e a Secretaria de Saúde do Estado, que a tudo acompanharam? E, por acaso, os médicos não iriam desconfiar de algo estranho no comportamento daquela mãe, acaso tivesse havido coação? Onde fica a reputação dos médicos, que fizeram tudo às claras, com base na lei penal e na ética médica? Nenhum outro interesse moveu médicos e equipe, a não ser o de ajudar àquela menina.

Essa hipótese aventada, de que poderia ter havido fraude, revela má-fé, da parte de quem fez essa carta tão cheia de atalhos e de atos falhos. Na carta, diz mais o padre Lodi que, nos seus trabalhos pró-vida, "enquanto as feministas ofereciam o aborto, nós, os cristãos, oferecíamos acolhida, hospedagem, assistência espiritual e acompanhamento durante a gestação, parto e puerpério!”

Quanta benevolência! Mas aqui em Recife NÃO se viu nada disso. O arcebispo nunca foi ao Imip conversar com aquela mãe e passar a mão na face da criança grávida. Isso, sim, seria um ato de coragem, que ele NÃO teve e NEM terá, porque lhe falta humildade. E atitudes que tais NÃO fazem parte do ego NEM do currículo desse arcebispo (aqui, permito-me julgar também.)

E se a Igreja já ofereceu a alguma mãe em condições semelhantes, qualquer acompanhamento até o puerpério, o que terá feito após o puerpério, quando inúmeras mães ficam loucas e morrem na miséria, com seus filhos, pelas ruas e em frente às milhares de igrejas, católicas ou não? Elas morrem, juntamente com seus filhos que nunca pediram pra nascer. Morrem de fome e das doenças advindas dos maus-tratos dessa vida Severina; dessa vida bandida, calcada na hipocrisia e no farisaísmo!

Cadê o direito à vida, tão defendido pela Igreja Católica e tão invocado na carta sob comento. A Igreja Católica condena os contraceptivos. Por dever de justiça, deveria fazer alguma coisa para reduzir a fome que assola três quartos da humanidade no mundo inteiro. Mas fecha os olhos. Faz que não vê. Então, não misturem fé com saúde pública.

Também é dito na carta que "as crianças geradas de estupro costumam ser alvo de carinho especial de suas mães". (??) – E que "o bebê, fruto do estupro, serve como “um doce remédio à mãe estuprada”, para remir o trauma do estupro." Onde está a prova, ao menos empírica, dessa afirmação? É um grande engodo que nos tentam passar.

Essa dita carta foi tão mal-engendrada, que nela se fala em possível cesariana. Quanto farisaísmo! Todos sabemos que foram administrados comprimidos abortivos à menina e que os fetos foram expelidos naturalmente. Só o padre e o bispo não sabem.

Também pudera. Ninguém da Igreja se interessou pela sorte daquela criança. Se houvesse interesse, algum representante da Igreja Católica teria ido ao Imip verificar as condições da menina grávida. É o mínimo a esperar, já que o tema dominava as manchetes da imprensa, mundo afora. E se tratava de gravidez de alto risco. Mas o que fizeram os que condenaram o aborto?

O que fizeram foi ordenar ao diretor-superintendente do Imip que não permitisse que fosse feito o abortamento lá. E, em seguida, quando o aborto foi feito pelos médicos do Cisam, o arcebispo encheu o peito para proclamar a excomunhão de todos que dele participaram.

E o padre Lodi ainda levanta a suspeita de que o hospital e os médicos depois da cesariana devem "ter jogado os fetos no lixo, esperando que morressem!" Quem escreveu essa carta, se padre ou não, deveria ter assinado. Para responder a processo por calúnia e injúria. Pois ainda diz a pretensa carta que os médicos "teriam de ter sangue frio para olharem nos olhos de suas duas vítimas abortadas?" O ator mambembe que engendrou essa carta desconhece os compromissos do bom médico.

Com essas insinuações cavilosas, teria de ser levado aos tribunais, para provar o teor das suas leviandades, assacadas contra médicos e seus auxiliares, assim como contra as mulheres da ONG Curumim.

Tudo isso, além de ser mais um tremendo desrespeito ao Cisam e aos médicos e equipe que salvaram a menina sem nome, é pura maldade. São afirmações desastrosas e cruéis.

Grande defeito dos humanos é a dupla moral: pregar uma coisa e fazer outra. É a moral do "faça o que eu mando, mas não faça o que eu faço".

Ainda é dito na carta que o aborto é monstruosidade maior do que o estupro! Quem é capaz de aferir isso? A Igreja, o bispo, um padre? Como é que eles avaliaram esses sentimentos? - Só a mulher que foi estuprada pode falar do trauma do estupro. Nem igrejas, nem bispos, nem padres! Afirmar isso, é chafurdar nas emoções alheias!

E foram feitas citações de um montão de artigos da nossa legislação, que nada têm a ver com esse episódio. Nada pertinentes. Para que esse desperdício? Bastaria haver citado o art. 1º do nosso Código Penal, que assim se expressa:

CP - art. 1º Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. Igual enunciado está no art. 5º, inciso XXXIX da nossa Constituição Federal de 1988.

E nenhuma lei cataloga como crime o aborto praticado por médico, no caso de gravidez resultante de estupro, desde que haja consentimento da gestante ou, se esta for incapaz (menor de idade, por exemplo), consentimento do seu representante legal (no caso em tela, a mãe da menina consentiu.)

Se o bispo e seus defensores têm provas de que houve fraude por parte das mulheres da ONG Curumim, abram um processo judicial e mostrem as provas. Mas não escrevam bobagens, tentando defender o indefensável.

Por fim, pergunto: se a mulher incorrer no crime de aborto (CP - Art. 124), ela tem direito a defesa ou deve ser condenada sumariamente, pelas leis da "santa" inquisição?



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